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António Lobo Antunes - (1942 - …)

António Lobo Antunes

 

A produção ficcional de António Lobo Antunes começou em 1979, quando o escritor contava 37 anos, como se, antes disso, não fosse possível representar literariamente experiências e memórias de um passado próximo. Progressivamente, a produção ficcional do escritor vai evidenciando, na sua complexidade e sentido de exigência, o resultado disso a que, numa das suas crónicas (“António 56 1/2”, in Segundo livro de crónicas), ele mesmo chamou “uma ética de produção”, assumida “por incompetência de utilizar os mecanismos práticos da felicidade”.

Num tempo a que chamou “de aprendizagem”, Lobo Antunes escreve e publica Memória de elefante (1979), Os cus de Judas (1979) e Conhecimento do inferno (1980). Depois destes, vêm Explicação dos pássaros (1981), Fado Alexandrino (1983), Auto dos danados (1985) e As naus (1988), relatos em que pode entender-se que o país é personagem principal. A seguir, Tratado das paixões da alma (1990), A ordem natural das coisas (1992) e A morte de Carlos Gardel (1994), configuram, ainda segundo o romancista, uma mistura dos dois ciclos anteriores.

Desenvolvendo-se em contacto com um presente que trata de modelizar, a ficção de Lobo Antunes supera a fixação na guerra colonial e avança para a representação das sequelas sociais, mentais e culturais da Revolução de 25 de Abril de 1974. Nesse contexto, encontramos figuras, episódios e sentidos que se reportam à descolonização, ao Portugal supostamente “modernizado”, ao redimensionamento europeu da nação, às neuroses, às mistificações e aos pequenos dramas humanos que esse Portugal pós-colonial acolhe. Os romances O manual dos inquisidores (1996) e O esplendor de Portugal (1997) constituem momentos privilegiados de um processo crítico que, na nossa literatura, só tem paralelo (noutros termos, como é óbvio) em alguma da ficção queirosiana.

Derivando para procedimentos de escrita cada vez mais complexos, a ficção de Lobo Antunes constrói-se em torno de polaridades cultivadas de modo quase frenético: por um lado, o diálogo enviesado com uma realidade social finissecular, pós-colonial, pós-imperial e em crise de valores e de comportamentos; por outro lado, o pendor desconstrutivo de formas e de categorias narrativas convencionais, a par da revisitação de modelos narrativos fundacionais, de forte carga identitária e civilizacional. A partir de Exortação aos crocodilos (1999), a escrita de Lobo Antunes adensa-se, aproximando-se do limite da indefinição de modo e género literário: Não entres tão depressa nessa noite escura (2000), Que farei quando tudo arde? (2001) e Boa tarde às coisas aqui em baixo (2003) são momentos quase labirínticos de um trajeto ainda em aberto, continuados com Eu hei de amar uma pedra (2004), Ontem não te vi em Babilónia (2006), O meu nome é Legião (2007) e O arquipélago da insónia (2008), entre outros. O último título até agora publicado é A última porta antes da noite (2018).

Com as suas últimas obras, Lobo Antunes confirma e aprofunda uma conceção da escrita cada vez mais plástica e centrada em procedimentos expressivos com forte incidência grafemática. Decorre daqui a diluição da sequencialidade da lógica da narrativa, uma lógica que, contudo, parece querer recuperar-se graças a evidentes estruturações externas dos textos. Reiteram-se, entretanto, situações e temas já conhecidos no universo do romancista – personagens problemáticas, vivências traumáticas, experiências de crise social, familiar, sexual ou mental, etc. –, tudo acentuado em deformação quase expressionista, pelo recurso a perspetivas plurais e entrecruzadas, em regime polifónico.

Tendo recebido inúmeras consagrações, traduzidas sobretudo em prémios de grande projeção nacional e internacional, Lobo Antunes derivou ainda para a epistolografia (D'este viver aqui neste papel descripto: cartas da guerra (2005) e para escrita da crónica (cinco volumes). Note-se que, ao contrário do que o escritor já afirmou, a crónica não se reduz a um mero exercício lúdico ou comercial; trata-se de um lugar de inscrição de grandes temas que o ficcionista, na construção de um universo sempre em movimento, regularmente exibe: a evocação da infância e da família, a guerra colonial e, em geral, a representação de passados traumáticos, bem como o do quotidiano urbano e suburbano.

 

Personagens no Dicionário:

Carlos / Soraia (Que farei quando tudo arde?)

Francisco (O manual dos inquisidores)

Julieta (A ordem natural das coisas)

 

                                                                                                                                                                                                                                                                                   Carlos Reis