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R > RIBEIRO, Aquilino

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Aquilino Ribeiro - (1885-1969)

Aquilino Gomes Ribeiro nasceu em Carregal da Tabosa, na Beira Alta, fez os primeiros estudos na Soutosa e entra, de seguida, no Colégio da Senhora da Lapa. Os pais tentam traçar-lhe, desde tenra idade, o destino, fazendo-o sacerdote, pelo que transita para o Colégio Roseira em Lamego e realiza os preparatórios em Viseu. Aí, estuda filosofia e teologia, e aperfeiçoa o domínio da língua latina. É admitido no Seminário de Beja, “refúgio dos rebeldes, dos cábulas e daqueles que encaravam o sacerdócio como uma profissão igual à de mestre-escola ou de veterinário” (Ribeiro, 2016: 43), mas desiste no segundo ano, por não encontrar dentro de si vocação (“Não sentia bossa nenhuma para a carreira eclesiástica”; Ribeiro, 2016: 29).

As suas primeiras publicações literárias, datadas de 1903, surgem no periódico olhanense Cruzeiro do Sul: são dois contos –“Para os anjos” e “A volta do brasileiro” –, que assina com o pseudónimo A. Bias Agro.

Muitos dos elementos biográficos do escritor beirão espraiam-se por quatro romances (Via sinuosa, 1918, Lápides partidas, 1945, Cinco réis de gente, 1948, Uma luz ao longe, 1949). A sua parecença com Libório, o jovem seminarista de Via sinuosa, manifesta-se, aliás, em reflexões interiores como esta: “Eu era assim, uma alma fresca de criança, carregada de brocados duma idade morta” (Ribeiro, 1960: 46).

Rejeitando o rumo que o conduziria à carreira eclesiástica, o autor de Volfrâmio abandona o Alentejo e parte para Lisboa, onde lê Eça e Camilo Castelo Branco com voracidade, procurando ganhar o seu pão, quer como publicista, quer como tradutor. Alcança o seu primeiro emprego como colunista do jornal Vanguarda e colabora em vários periódicos (O País, Caixeiro, Alma Nacional, Beira...).

A capital, ensombrada pela ditadura franquista, assiste à agonia do regime monárquico e organiza-se como centro de convulsões políticas. “Anarquista incidental” (Vidigal, 1986: 10) e adepto convicto da causa antimonárquica, Aquilino conhece alguns dissabores, fruto desse engajamento juvenil e de uma cidadania ativa que o pautará sempre. Quando aceita guardar, no seu quarto, material a utilizar em motins reacionários pela Loja Solidariedade, à qual pertencia, estava longe de pensar que aí se desencadearia, por descuido, a explosão que havia de vitimar dois dos seus companheiros de luta (Gonçalves Lopes e Belmonte de Lemos). Único sobrevivente da tragédia, é imediatamente julgado e preso. Depois de sair em liberdade, exila-se em Paris, aproveitando a oportunidade para abrir horizontes e estudar na Faculdade de Letras da Sorbonne. Contemporâneo dos primeiros modernistas, torna-se correspondente da Ilustração Portuguesa, dirigida por Malheiro Dias, mas é com algum descaso que fala dos compatriotas (pintores e escultores) residentes em Paris. Os nomes que lhe merecem atenção não são de primeira água.

O seu livro de estreia – Jardim das tormentas (1913) – é prefaciado pelo próprio Malheiro Dias, que lhe reconhece “identidade de caráter” (15) e “a arte exímia de escultor de pensamentos” (Dias, 1961: 12). De facto, deparamos com um conjunto de contos que refletem motivos e uma têmpera que se derramará ao longo de toda a obra aquiliniana: o pulsar da sensualidade, num misto pagão e espiritual (“A catedral de Córdova”), o apego ao castiço na linguagem (“A hora de vésperas”), o imaginário popular e a veia de excelente contador de estórias (“Os senhores de Montalvo”). É, aliás, nesta coletânea que surge “A inversão sentimental”, onde as personagens femininas Hélia e Ninette ombreiam com a representação, ao gosto da época, de mulheres cocote, como a Judite de Nome de guerra. 1913 é também o ano do seu primeiro casamento, com Grete Tiedermann.

Aquilino regressa a Portugal em 1914, onde permanece até 1927, ocupando os cargos de docente no liceu Camões e de conservador na Biblioteca Nacional. Com o fascínio parisiense ainda entranhado nas veias, volta à cidade-luz por um breve período, não adivinhando que o envolvimento político na conspiração de fevereiro de 1927 o recambiará, a breve trecho, de novo, para essas paragens, até 1932. Neste ano casa com Jerónima Dantas Machado, filha de Bernardino Machado, e vai-se aclimatando de novo ao seu país, retomando uma intensa ação cultural e cívica.

Vasta e multifacetada, a obra de Aquilino Ribeiro inclui narrativa breve, novelas (Filhas de Babilónia, Estrada de Santiago, As três mulheres de Sansão, Caminhos errados...), diversos romances (de salientar: Terras do Demo, Andam faunos pelos bosques, Maria Benigna, Mónica, Volfrâmio, Quando os lobos uivam, entre tantos outros), ensaios e monografias, algumas delas de caráter biográfico, traduções (de obras de Xenofonte, de António de Gouveia e de Cervantes) e vários títulos de literatura infantil (O romance da raposa, Arca de Noé III classe, entre outros).

Óscar Lopes disse, com acerto: “Aquilino é emeritamente destro na apreensão do ambiente natural e humano ao nível, de resto bastante complexo e paradigmático, de uma sociedade rural já arcaica em 1900, cuja maranha ele agarra com um punho balzaquiano” (Lopes, 1999: 227). Na verdade, A casa grande de Romarigães (1957) exibe muitas destas qualidades e sobretudo o poder narrativo de criar uma “história romanceada” a partir de “uma volumosa rima de papéis velhos”, que veem nascer Gonçalo da Cunha, senhor de Romarigães, e Maria Roriga. Ao “ceticismo sorridente de sabor anatoliano” (Coelho, 1984: 934) alia-se a bonomia beirã, a comunhão com a natureza e um certo desdém pelo naturalismo, a verve das gentes e a captação dos elementos que corrompem as classes favorecidas.

Aquilino Ribeiro, autor de uma obra vasta, foi imortalizado sobretudo pel’O Malhadinhas, novela centrada num almocreve inolvidável: “Homem sobre o meanho, reles de figura, voz tão untuosa e tal ar de sisudez que nem o próprio Demo o julgaria capaz de, por uma nonada, crivar à naifa o abdómen de um cristão” (Ribeiro, 1996: 11). Pela boca do rústico Malhadinhas de Barrelas temos acesso a um tesouro linguístico de inestimável valor socioletal, que atesta não só a mestria do ficcionista, como do estilista e do esteta da língua portuguesa que o romancista do Carregal representa no panorama das Letras portuguesas.

Algumas das obras aquilinianas foram adaptadas à televisão (O Homem que matou o Diabo, de 1979; O romance da raposa, 1988;  Quando os lobos uivam, 2006). Em 2008 a série O dia do regicídio, produzida pela RTP, fez intervir no seu enredo Aquilino Ribeiro, desta vez como personagem apresentada pessoalmente a Buíça.

 

Referências

ANDRADE, J. Pedro de (1984). “Ribeiro, Aquilino”, in Jacinto do Prado Coelho (dir.), Dicionário de Literatura, 3.º volume. Porto: Figueirinhas. 933-934.

DIAS, Carlos Malheiro ([1913] 1961). Prefácio a Jardim das tormentas de Aquilino Ribeiro. Lisboa: Bertrand Editora.

LOPES, Óscar (1999). Motivos de meditação: Luís de Camões, Eça de Queirós, Raul Brandão, Aquilino Ribeiro, Fernando Pessoa. Porto: Campo das Letras.

RIBEIRO, Aquilino ([1900] 1960). A via sinuosa. Lisboa: Bertrand.

_____ (2016). Um escritor confessa-se. Lisboa: Bertrand.

VIDIGAL, Luís (1986). O jovem Aquilino Ribeiro. Ensaio biográfico e antológico na Lisboa da “Belle Époque” (1903-1908). Lisboa: Livros Horizonte.

 

 

Personagens no Dicionário:

Domingos da Cunha (A Casa Grande de Romarigães)

Luís da Cunha de Antas (A Casa Grande de Romarigães)

Malhadinhas (O Malhadinhas)

Manuel Louvadeus (Quando os lobos uivam)

 

Marisa das Neves Henriques