Aquilino Gomes Ribeiro nasceu em Carregal da Tabosa, na Beira Alta, fez os primeiros estudos na Soutosa e entra, de seguida, no Colégio da Senhora da Lapa. Os pais tentam traçar-lhe, desde tenra idade, o destino, fazendo-o sacerdote, pelo que transita para o Colégio Roseira em Lamego e realiza os preparatórios em Viseu. Aí, estuda filosofia e teologia, e aperfeiçoa o domínio da língua latina. É admitido no Seminário de Beja, “refúgio dos rebeldes, dos cábulas e daqueles que encaravam o sacerdócio como uma profissão igual à de mestre-escola ou de veterinário” (Ribeiro, 2016: 43), mas desiste no segundo ano, por não encontrar dentro de si vocação (“Não sentia bossa nenhuma para a carreira eclesiástica”; Ribeiro, 2016: 29).
As suas primeiras publicações literárias, datadas de 1903, surgem no periódico olhanense Cruzeiro do Sul: são dois contos –“Para os anjos” e “A volta do brasileiro” –, que assina com o pseudónimo A. Bias Agro.
Muitos dos elementos biográficos do escritor beirão espraiam-se por quatro romances (Via sinuosa, 1918, Lápides partidas, 1945, Cinco réis de gente, 1948, Uma luz ao longe, 1949). A sua parecença com Libório, o jovem seminarista de Via sinuosa, manifesta-se, aliás, em reflexões interiores como esta: “Eu era assim, uma alma fresca de criança, carregada de brocados duma idade morta” (Ribeiro, 1960: 46).
Rejeitando o rumo que o conduziria à carreira eclesiástica, o autor de Volfrâmio abandona o Alentejo e parte para Lisboa, onde lê Eça e Camilo Castelo Branco com voracidade, procurando ganhar o seu pão, quer como publicista, quer como tradutor. Alcança o seu primeiro emprego como colunista do jornal Vanguarda e colabora em vários periódicos (O País, Caixeiro, Alma Nacional, Beira...).
A capital, ensombrada pela ditadura franquista, assiste à agonia do regime monárquico e organiza-se como centro de convulsões políticas. “Anarquista incidental” (Vidigal, 1986: 10) e adepto convicto da causa antimonárquica, Aquilino conhece alguns dissabores, fruto desse engajamento juvenil e de uma cidadania ativa que o pautará sempre. Quando aceita guardar, no seu quarto, material a utilizar em motins reacionários pela Loja Solidariedade, à qual pertencia, estava longe de pensar que aí se desencadearia, por descuido, a explosão que havia de vitimar dois dos seus companheiros de luta (Gonçalves Lopes e Belmonte de Lemos). Único sobrevivente da tragédia, é imediatamente julgado e preso. Depois de sair em liberdade, exila-se em Paris, aproveitando a oportunidade para abrir horizontes e estudar na Faculdade de Letras da Sorbonne. Contemporâneo dos primeiros modernistas, torna-se correspondente da Ilustração Portuguesa, dirigida por Malheiro Dias, mas é com algum descaso que fala dos compatriotas (pintores e escultores) residentes em Paris. Os nomes que lhe merecem atenção não são de primeira água.
O seu livro de estreia – Jardim das tormentas (1913) – é prefaciado pelo próprio Malheiro Dias, que lhe reconhece “identidade de caráter” (15) e “a arte exímia de escultor de pensamentos” (Dias, 1961: 12). De facto, deparamos com um conjunto de contos que refletem motivos e uma têmpera que se derramará ao longo de toda a obra aquiliniana: o pulsar da sensualidade, num misto pagão e espiritual (“A catedral de Córdova”), o apego ao castiço na linguagem (“A hora de vésperas”), o imaginário popular e a veia de excelente contador de estórias (“Os senhores de Montalvo”). É, aliás, nesta coletânea que surge “A inversão sentimental”, onde as personagens femininas Hélia e Ninette ombreiam com a representação, ao gosto da época, de mulheres cocote, como a Judite de Nome de guerra. 1913 é também o ano do seu primeiro casamento, com Grete Tiedermann.
Aquilino regressa a Portugal em 1914, onde permanece até 1927, ocupando os cargos de docente no liceu Camões e de conservador na Biblioteca Nacional. Com o fascínio parisiense ainda entranhado nas veias, volta à cidade-luz por um breve período, não adivinhando que o envolvimento político na conspiração de fevereiro de 1927 o recambiará, a breve trecho, de novo, para essas paragens, até 1932. Neste ano casa com Jerónima Dantas Machado, filha de Bernardino Machado, e vai-se aclimatando de novo ao seu país, retomando uma intensa ação cultural e cívica.
Vasta e multifacetada, a obra de Aquilino Ribeiro inclui narrativa breve, novelas (Filhas de Babilónia, Estrada de Santiago, As três mulheres de Sansão, Caminhos errados...), diversos romances (de salientar: Terras do Demo, Andam faunos pelos bosques, Maria Benigna, Mónica, Volfrâmio, Quando os lobos uivam, entre tantos outros), ensaios e monografias, algumas delas de caráter biográfico, traduções (de obras de Xenofonte, de António de Gouveia e de Cervantes) e vários títulos de literatura infantil (O romance da raposa, Arca de Noé III classe, entre outros).
Óscar Lopes disse, com acerto: “Aquilino é emeritamente destro na apreensão do ambiente natural e humano ao nível, de resto bastante complexo e paradigmático, de uma sociedade rural já arcaica em 1900, cuja maranha ele agarra com um punho balzaquiano” (Lopes, 1999: 227). Na verdade, A casa grande de Romarigães (1957) exibe muitas destas qualidades e sobretudo o poder narrativo de criar uma “história romanceada” a partir de “uma volumosa rima de papéis velhos”, que veem nascer Gonçalo da Cunha, senhor de Romarigães, e Maria Roriga. Ao “ceticismo sorridente de sabor anatoliano” (Coelho, 1984: 934) alia-se a bonomia beirã, a comunhão com a natureza e um certo desdém pelo naturalismo, a verve das gentes e a captação dos elementos que corrompem as classes favorecidas.
Aquilino Ribeiro, autor de uma obra vasta, foi imortalizado sobretudo pel’O Malhadinhas, novela centrada num almocreve inolvidável: “Homem sobre o meanho, reles de figura, voz tão untuosa e tal ar de sisudez que nem o próprio Demo o julgaria capaz de, por uma nonada, crivar à naifa o abdómen de um cristão” (Ribeiro, 1996: 11). Pela boca do rústico Malhadinhas de Barrelas temos acesso a um tesouro linguístico de inestimável valor socioletal, que atesta não só a mestria do ficcionista, como do estilista e do esteta da língua portuguesa que o romancista do Carregal representa no panorama das Letras portuguesas.
Algumas das obras aquilinianas foram adaptadas à televisão (O Homem que matou o Diabo, de 1979; O romance da raposa, 1988; Quando os lobos uivam, 2006). Em 2008 a série O dia do regicídio, produzida pela RTP, fez intervir no seu enredo Aquilino Ribeiro, desta vez como personagem apresentada pessoalmente a Buíça.
Referências
ANDRADE, J. Pedro de (1984). “Ribeiro, Aquilino”, in Jacinto do Prado Coelho (dir.), Dicionário de Literatura, 3.º volume. Porto: Figueirinhas. 933-934.
DIAS, Carlos Malheiro ([1913] 1961). Prefácio a Jardim das tormentas de Aquilino Ribeiro. Lisboa: Bertrand Editora.
LOPES, Óscar (1999). Motivos de meditação: Luís de Camões, Eça de Queirós, Raul Brandão, Aquilino Ribeiro, Fernando Pessoa. Porto: Campo das Letras.
RIBEIRO, Aquilino ([1900] 1960). A via sinuosa. Lisboa: Bertrand.
_____ (2016). Um escritor confessa-se. Lisboa: Bertrand.
VIDIGAL, Luís (1986). O jovem Aquilino Ribeiro. Ensaio biográfico e antológico na Lisboa da “Belle Époque” (1903-1908). Lisboa: Livros Horizonte.
Personagens no Dicionário:
Domingos da Cunha (A Casa Grande de Romarigães)
Luís da Cunha de Antas (A Casa Grande de Romarigães)
Malhadinhas (O Malhadinhas)
Manuel Louvadeus (Quando os lobos uivam)