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Domingos da Cunha

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Autor: Ilustração da capa por João Abel Manta

Domingos da Cunha (Aquilino Ribeiro, A Casa Grande de Romarigães)

Filho do abade Gonçalo da Cunha, fundador d’ A Casa Grande de Romarigães (1957), e de Maria Roriga, Domingos da Cunha é o primogénito a quem foi vinculada, nos alvores do século XVII, a Casa Grande, também conhecida por quinta de Nossa Senhora do Amparo, no Minho, um morgadio de que é feita a crónica romanceada de um período de cerca de trezentos anos por Aquilino Ribeiro (1885-1963).

Na infância considerado “o deus e o diabo do lugar” (Ribeiro, 2018: 29), aos “vinte anos (…), lesto, bonito e desembaraçado moço”, tornou-se um morgado cobiçado por donzelas casadoiras, dado ser o “mais rico dentre Minho e Lima” (30). Casou em S. Paio de Agualonga com sua prima D. Francisca de Antas, da melhor nobreza minhota.

Respeitado pela fidalguia de Entre Douro e Minho, Domingos da Cunha é aos quarenta anos pai de Luís, Alexandre, Agostinho, Carlos e Cristina. Apreensivo com o futuro da sua prole em Romarigães – localidade encravada entre as serranias de Arga, Labruja e Rubiães –, oferece-lhes uma educação esmerada em letras, artes e armas, dado ter noção de que, um dia, relações amistosas com a realeza lhes proporcionariam um auspicioso porvir. Será com esta finalidade que, mais tarde, decide transferir a residência da família não para a corte de Lisboa, inferiorizada pelo domínio filipino, mas para a de Madrid. Porém, o intento não chega a realizar-se uma vez que a capital portuguesa “sacudira o jugo de Castela”, numa “bela manhã de Dezembro, branca mas desnevada” (33).

Patriota convicto e defensor da causa real, apoia com os seus homens as milícias portuguesas rumo à Independência. Após nove anos de guerrilha entre o Minho e a Galiza, os portugueses saem destroçados, mas Domingos da Cunha não o podia admitir. Luís da Cunha de Antas, o primogénito, voluntaria-se para rumar a Goyán, onde, sob o comando do Conde de Castelo Melhor e com o apoio do sargento-mor Soares Pereira, derrotou a guarnição galega. Porém, as hostilidades continuaram e avizinhava-se uma guerra. Domingos da Cunha persuade os fidalgos do Alto Minho a juntarem-se-lhe, convertendo a Casa Grande e a própria capela de Nossa Senhora do Amparo em lugar de concentração de forças: “(…) a quinta estava bem provida e mimosinha de tudo. As tulhas ficaram repletas no são-miguel e na adega não havia pipa nem pipo que tocasse a vazio. Por outro lado, os almargeais produziam erva tão balofa que os cavalos cada dia se tornavam nédios e reforçados” (37). Assim, foi possível às hostes portuguesas vencerem em La Guardia, na Galiza.

Intrépida e influente, a personagem usufrui ainda do seu prestígio social para obter a imunidade moral de Luís da Cunha que, por pecadilhos da mocidade, é acusado do rapto (consentido) de sua prima Joana de Azevedo, noviça no convento de La Guardia. Ao fim de oito meses de diligências em Lisboa, Domingos da Cunha obtém para o filho a nomeação como familiar do Santo Ofício, a carta de moço fidalgo da Casa Real e o título de dom (70).

A figuração da personagem é essencialmente realizada através da focalização omnisciente do narrador heterodiegético, caldeada a esparsas pela focalização interna de outras personagens, como, no final da crónica, a do narrador homodiegético D. Telmo Montenegro, avô e tutor do sexto morgado da Casa Grande, D. Luís António de Antas de Azevedo e Meneses. D. Telmo mandará pintar os retratos dos senhores de Romarigães, entre eles o de Domingos da Cunha, dizendo ao artista contratado: “(…) foi capitão de milícias e andou na guerra. Pinte--mo de sobrancelhas crespas, olhos a chispar, espada no talim. Bem vê, temos de exalçar a estirpe” (208).

Na crónica romanceada que é A Casa Grande de Romarigães, Domingos da Cunha será dos raros morgados com características de herói positivo, tendo em conta os lances valorosos que realizou. Contrariamente, dos demais senhores de Romarigães, Aquilino explana as desventuras e improbidades, entrelaçando história e ficção de modo satírico e cómico, fornecendo ao leitor uma visão picaresca dos feitos lusos, em tudo oposta àquela que, por exemplo, as crónicas medievais, o romance histórico do período romântico ou o romance realista preconizavam. Para esta conceção picaresca da História contribuem as fontes referidas pelo autor no prefácio da narrativa e que, no que se refere ao tempo de vida de Domingos da Cunha, correspondem a um manuscrito de 1680, da autoria do Padre Sebastião Mendrugo, mestre dos seus filhos.

A Casa Grande de Romarigães revela elementos pós-modernistas, como o referido hibridismo genológico, a polifonia narrativa ou a autoridade de historiador reclamada pelo autor.

A edição de 2018 d’A Casa Grande de Romarigães, da Bertrand Editora, inclui ilustrações de João Abel Manta.

Ribeiro, A. (2018). A Casa Grande de Romarigães. Lisboa: Bertrand Editora.

[publicado a 11-09-2024]

Maria Eduarda Borges dos Santos