• Precisa de ajuda para encontrar algum conteúdo?

Elias Santana

eliassantana.jpg
Autor: Raul Solnado como Elias Santana

Elias Santana (José Cardoso Pires, Balada da Praia dos Cães)

Elias Cabral Santana é a personagem central do romance policial Balada da Praia dos Cães (1982), de José Cardoso Pires. Chefe de brigada da Polícia Judiciária, é referido pelos colegas de trabalho como “Covas” ou “Chefe Covas”, “decerto porque, prestando serviço na Secção de Homicídios há mais de vinte anos, tem passado a vida a desenterrar mortes trabalhadas” (Pires, 1982: 14). Personifica o tipo do detetive – figura essencial deste subgénero narrativo (cf. Reis, 2018: 464) – e é a partir da sua investigação (inquéritos, relatórios, reconstituições, etc.) que o leitor toma conhecimento das outras personagens, inclusive daquelas implicadas no crime.

Elias Santana é o responsável pelo caso do homicídio do ex-major oposicionista Luís Dantas Castro, sendo o focalizador desta intriga a ser investigada e reconstituída, apesar de não ser o narrador do romance; “Quer dizer: os eventos e o protagonista da diegese central, i.e., o crime e a vítima do acto criminoso, surgem focalizados pelo campo de consciência de Elias” (Cabral, 1999: 220) que, por sua vez, reflete certo modo de agir da Polícia Judiciária, que – no período em que se situa a narração, isto é, 1960 – vê-se amplamente observada pela PIDE e restringe a sua atuação ao âmbito pericial. A obra, no entanto, escrita após o 25 de Abril de 1974, apresenta comentários sobre a repressão através de Elias: “e nestas entrelinhas Elias está mesmo a ler que é por aí que a Pide vai entrar, não tarda, e então é que vai ser o bonito, duas polícias a desconfiarem uma da outra […]. Sempre ouviu dizer que: Polícia que espia polícia é criminoso a dobrar. Isso admite-se?” (Pires, 1982: 17 – 18).

Apesar de ser uma personagem fundamental quanto à sua função, Elias Santana não tem propriamente uma evolução particular, visto que faz parte da segunda camada diegética, o presente da investigação – “Trata-se pois, no romance de enigma, de duas histórias das quais uma está ausente mas é real, a outra presente mas insignificante” (Todorov, 2006: 97). Sua descrição, no entanto, resgata a excentricidade que costuma caracterizar tais personagens detetivescas: “indivíduo de fraca compleição física, palidez acentuada, 1 metro e 73 de altura; olhos salientes (exoftálmicos) denotando um avançado estado de miopia, cor de pele e outros sinais reveladores de perturbações digestivas”, destacando-se como peculiaridades “a unha do dedo mínimo que é crescida e envernizada, unha de guitarrista ou mágico vidente” e o seu historial singular – órfão, “jogador nocturno e cantor lírico em academias de bairro”, ex-interno do Sanatório da Flamenga, solitário e cuidador de um lagarto de estimação (Pires, 1982: 13 – 16).

Em um movimento metaléptico, o narrador assume certa falta de conhecimento sobre a personagem: “Hoje, 1982, vemos claramente Elias Santana como o investigador que, uma vez senhor de toda a verdade, se entretém a deambular pelas margens à procura doutras luzes e doutras reverberações.” (96). Assim, admite-se a possibilidade de Elias ter uma vida para além do narrado e de haver desenvolvimentos sobre o caso que ficaram ocultos por decisão da personagem, sobretudo em relação à suspeita Mena, amante do falecido major. Esta ausência de informação é coerente com a ideia de vida dupla ou de clandestinidade, questão emergente na semântica transficcional desta personagem, por representar um funcionário do Estado que lida com um provável crime político dentro de um regime totalitário.

O livro foi um êxito de vendas e de crítica, tendo recebido o Grande Prémio do Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores de 1982. Em 1987 foi feita uma adaptação da Balada da Praia dos Cães para o cinema, em uma co-produção entre Portugal e Espanha com realização de José Fonseca e Costa. Elias Santana foi interpretado pelo ator Raul Solnado, louvado pelo público – e por José Cardoso Pires – pela sua performance no thriller policial.

 

Referências

CABRAL, Eunice (1999). José Cardoso Pires – Representações do mundo social na ficção (1958-82). Lisboa: Edições Cosmos.

PIRES, José Cardoso (1982). Balada da Praia dos Cães. Lisboa: Dom Quixote.

REIS, Carlos (2018). Dicionário de estudos narrativos. Coimbra: Almedina.

TODOROV, Tzvetan (2006). As estruturas narrativas. São Paulo: Perspectiva.

Gabriella Campos Mendes