José Valentim Fialho de Almeida nasceu em Vila de Frades, no Alentejo, foi estudar para Lisboa em 1866, ingressou no Colégio Europeu, instituição de ensino que frequentou até 1871. Faz a sua estreia literária em 1873 no jornal Correspondência de Leiria. Interrompidos os estudos por falta de recursos financeiros, começa a trabalhar como praticante de farmácia numa botica lisboeta, situada nas imediações do Campo de Sant’Ana, circunstância de vida que, segundo o próprio relata na sua autobiografia, lhe permite entrar em “contacto absoluto com o povo” (Almeida, 1903b: XI) e lhe aguça “uma tendência mórbida para as letras” (Almeida, 1903b: XIII), dando a lume um primeiro volume de Contos (1881). Mais tarde, há de passar pelo Liceu Francês e pela Escola Politécnica, vindo a formar-se em Medicina no ano de 1885. Concluída essa etapa do seu percurso académico, dela não extrai consequências profissionais, embora permaneçam, na sua sensibilidade estético-literária, algumas marcas da confiança no espírito científico. Consagra-se, então, inteiramente à escrita e à atividade jornalística, decidindo-se a viver da pena “donde continuamente espirravam revoltas” (Almeida, 1903b: XV).
A passagem pela capital (“cidade de frades, beatas e desembargadores”, Almeida, 1903b: 7) ficará impressa em muitas páginas acintosas, nomeadamente no volume Lisboa galante (1903), cujo contraponto surge em A cidade do vício (1882), coletânea de contos de pendor realista, onde o narrador se apresenta como “peregrino” (Almeida, 1882: 13) por entre “campos e terreolas” (Almeida, 1882: 13), colhendo uma “singular lucidez” (Almeida, 1882: 13) do facto de não ler sequer jornais.
Se a carta publicada na revista A crónica (de 1880) em resposta ao texto de Pinheiro Chagas representava já uma tomada de posição vincada no domínio da literatura, Fialho de Almeida vem a apurar o olhar acutilante, impiedoso até, e revelador de um certo pessimismo misantropo. Dessa forma, de escalpe em riste, e seduzido, de acordo com A. Cândido Franco, pelo positivismo queirosiano, denuncia traços de caráter e aleijões morais, descobre disformidades e bestializa alguns tipos sociais, numa análise às vezes pontuada de crueza. Cultor da narrativa breve e de escritos de sabor panfletário e crítico, destaca-se sobretudo como contista e cronista, não sem se prevenir contra os reparos dos leitores que preferem os “fabricantes de calhamaços” (Almeida, 1903b: XIX). Nele confluem influências do credo naturalista, matizes do realismo rústico, nascido do “sentimento da paisagem” (Franco, 2002) e do olhar benévolo que lança aos humildes, àqueles que vivem da terra (pense-se, por exemplo, em Ceifeiros), assim como aspetos da estética decadentista, mormente o gosto pela morbidez. É o próprio autor que confirma a sua inclinação para “intrometer fezes humanas nas tintas duma paleta” (Almeida, 1903b: XVIII).
Vasta, desigual na sua conceção e influenciada por correntes literárias várias, a obra de Fialho de Almeida não se furta ao disfemismo, à caricatura, ao tratamento do aberrante e do sórdido, apresentando, não raro, o ser humano incendiado de paixões vis ou pelo cio que o torna um ser abjeto.
É à luz da estética naturalista, mas também do crivo decadentista que se compreende a construção da personagem Carolina, conhecida por antonomásia pela Ruiva, que protagoniza o conto de título homónimo. João da Graça, protagonista de Três cadáveres, estudante e futuro médico, encarna o dissecador de almas que crê encontrar naqueles destinos o reflexo do meio mesquinho e hipócrita.
Referências
ALMEIDA, Fialho de (1882). A cidade do vício. Porto: Ernesto Chardron.
_____ ([1890]1903a). Lisboa galante. Porto: Livraria Chardron.
_____ (1903b). À esquina. Jornal dum vagabundo, Coimbra: F. França Amado Editor. IX-XXVII.
FRANCO, António Cândido (2002). O essencial sobre Fialho de Almeida, Lisboa: Imprensa Nacional.
Personagens no Dicionário:
João da Graça (Três cadáveres)
Ruiva Carolina (Contos)