Margarida é a protagonista d’As Pupilas do Senhor Reitor (1866). O foco narrativo do romance está predominantemente voltado para os acontecimentos à volta desta personagem que reforça as questões periodológicas acerca da obra de Júlio Dinis. Afinal, esta é uma heroína que mescla traços românticos e realistas.
Também tratada por Guida, é a primogénita do Meadas e ficou órfã de mãe aos cinco anos de idade. O novo casamento do pai pô-la em situação desconfortável, pois a madrasta tratou de isolá-la para privilegiar a filha, de nome Clara, concebida neste matrimónio. Esta situação é bastante representativa da vida provinciana no Portugal oitocentista e reforça o caráter testemunhal das obras de Júlio Dinis, o mesmo acontecendo com Madalena, d’A Morgadinha dos Canaviais, ou com Jenny Whitestone, como típica burguesa de origem inglesa do Porto, em Uma Família Inglesa.
A tristeza de órfã caracteriza boa parte da sua existência e o temor de ser abandonada é um fantasma que paira sobre ela com certa constância, pois os afetos foram-lhe sempre negados. Esta disposição é reiterada no capítulo XXVII, no passo em que Margarida medita sobre o seu temperamento: “E por que não hei-de eu também distrair-me, como se distrai a Clara? – pensava ela – Virão já de nascimento estes génios assim? Mas como se há de acreditar que o Senhor queira fazer cair sobre a criatura, que ainda não o ofendeu, este grande castigo de uma tristeza tamanha? Não, não pode ser. – Antes creio... isso sim, que o génio de cada um toma a feição da vida que em criança se teve... Uma pessoa, afinal, é como uma árvore; enquanto nova, é que se pode dobrar, que depois... Ali estão aqueles cedros que, de pequenos, Clara vergou em arco; ganharam essa forma, e hoje já não se erguem direitos como os outros. É assim. (...) Clara teve uma mãe que a estremecia, teve o seu raio de sol... eu, de bem pequena, perdi a minha... Quem tão cedo se viu órfã, como há de ser para alegrias?" (Dinis, s. d.: 133).
Margarida tem uma índole mansa e abnegada, mas que não foi suficiente para amolecer o coração da madrasta. No entanto, tocou a irmã Clara, que a ajudava em segredo e percebia que a mãe não era justa para com Guida que, entretanto, aceita o tratamento que lhe é dado depois da morte do pai, por ser filha de uma mulher pobre.
O encontro com Daniel, ainda durante a infância, foi sua única boa lembrança e consolo de uma existência dura e sem privilégios. Já crescida, Guida tinha essa perceção por ser uma mulher com espírito crítico, e esse espírito é fruto da curiosidade pelo conhecimento revelada nas lições dadas por Daniel quando este era seu professor de Latim. Com a ida do rapaz para estudar no Porto ela passa a ser orientada pelo Reitor e, posteriormente, pelo Velho Mestre que lhe dá quatro livros, cujos títulos não são dados a conhecer.
Margarida é uma mulher consciente do seu lugar naquela sociedade, pois repele a ociosidade e tem gosto pelo trabalho, seja cuidando dos enfermos ou ensinando religião aos pequenos. Religiosa sem carolices, a força de Margarida reside na sua solidez de princípios e é essa característica que desperta em Daniel a vontade de mudança no seu caráter leviano. Nesse ponto, o Reitor apercebe-se de uma maneira de unir os dois jovens: a fortaleza de Margarida seria o fundamento da redenção de Daniel que, ao conhecê-la melhor (antes de reconhecer nela a menina a quem ele ensinava latim), enxerga em Guida a “saudosa figura de virgem em oração, que lhe parecia quase sobrenatural” (218).
No entanto, ela não é uma heroína idealizada, pois em certo momento sente ciúmes do comportamento da irmã Clara, quando está na companhia de Daniel. Isso afasta-a da heroína tipicamente romântica e idealizada.
Júlio Dinis é económico na descrição e tudo o que se sabe é que Guida é “trigueira”, conforme consta no capítulo XXXIX; já os olhos são negros. No mais, a descrição é subjectiva: simpática, afável e meiga. Quanto à boca, “tomava-lhe naturalmente uma expressão de triste meditar, entreabrindo-se-lhe, de quando em quando, os lábios por uma dessas mais profundas inspirações que dissimulam um suspiro” (44).
O romance As Pupilas do Senhor Reitor foi levado ao cinema e à televisão. A TV brasileira fez duas adaptações da obra: na versão da TV Record, em 1970, Margarida foi representada pela atriz Márcia Maria na versão de Lauro César Muniz; já na versão do SBT, a personagem foi interpretada pela atriz Débora Bloch, com direção de Nilton Travesso.
O cinema recriou a trama d’As Pupilas do Senhor Reitor em três oportunidades: o francês Maurice Mariaud, em 1922, realizou a primeira adaptação da obra e escalou a atriz portuguesa Maria Helena para interpretar Margarida; em 1935, a personagem foi representada pela portuguesa Leonor d’Eça, na versão realizada por Leitão de Barros; e em 1961, a brasileira Marisa Prado deu vida a Margarida, no filme dirigido por Perdigão Queiroga.
Referência
DINIS, Júlio (s.d.). "As pupilas do Senhor Reitor (Crónicas da Aldeia)", in Obras de Júlio Dinis, vol. I. Porto: Lello & Irmão.