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Amélia

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Autor: Ilustração por Celeste Maia

Amélia (Teolinda Gersão, A árvore das palavras)

          Com nome de solteira Amélia dos Santos Marcelino, Amélia é uma personagem do romance A Árvore das Palavras, de Teolinda Gersão, mãe da protagonista Gita. Do ponto de vista operativo, a mãe funciona como contraponto da filha, mostrando tempos e espaços de vida diferentes. Amélia Capítulo será o seu detestado nome após o  casamento com Laureano Capítulo, na sequência da resposta a um anúncio por ele publicado num jornal, solicitando “menina honesta” (Gersão, 1997: 116) para fins matrimoniais em Moçambique. Amélia nunca se adaptará ao clima de Lourenço Marques (o nome colonial de Maputo), nem ao pequeno mundo de Laureano, sem brilho e sem fulgor social; é inicialmente caracterizada como macambúzia e azeda, quer pela filha Gita, quer pela ama de leite da filha, a africana Lóia, que, por intuir as frustrações dela, afirma: “Ela tem muito milando na vida dela” (222).  

          Na segunda parte do romance — ocupando cerca de um terço da narrativa —, é dominante a perspetiva desta personagem e, por esta via, o leitor tem acesso ao que Amélia pensa da vida de Lourenço Marques. Neste módulo intermédio do romance, a narrativa alterna entre vários registos discursivos. Em alguns momentos, predomina o monólogo interior, estratégia ficcional eficaz para veicular os pensamentos e os juízos de Amélia enquanto deambula pelos bairros mais ricos da cidade, na tentativa de absorver o ambiente das casas burguesas da classe alta, onde apenas entra quando aí trabalha como costureira. Noutros momentos, emergem diálogos — conjurados sob a estratégia da analepse — que dão conta do estilo de vida de Amélia em Portugal, antes de partir para Moçambique. Criada por uma madrinha que a faz sentir como mais um peso no orçamento da família, Amélia conta a sua vida num meio provinciano, atrasado e retrógrado de uma pequena vila portuguesa, onde uma jovem fica marcada como leviana se deixa avançar demais o seu namoro antes de casar, ficando sem valor (e sem trunfos) para fins matrimoniais. É para fugir a esta vida empecilhada que Amélia responde ao anúncio e parte para casar com Laureano em Moçambique.

          Amélia é assim a representante de muitas mulheres portuguesas que respondiam a estes anúncios de portugueses pobres que tinham emigrado para as colónias sozinhos e, uma vez aí instalados, estavam desejosos de constituir uma família “branca” nos territórios colonizados. Elas respondem para fugir à pobreza ou para tentarem novas oportunidades, muito escassas em Portugal. Amélia é ambiciosa, quer apagar anos de frustração e dependência económica e almeja subir na vida, e, por isso mesmo, não entende a falta de ambição socioeconómica de Laureano; observa os privilégios dos ricos e inveja as casas bonitas, o brilho da vida social das classes endinheiradas e o conforto do bem-estar económico; teme as maleitas e as sezões tropicais; tem receio dos negros e rejeita as misturas. A personagem acaba por abandonar o lar, a filha e o marido e parte com um homem mais rico para Sidney. A montante, ela representa a mulher portuguesa, pobre e frustrada, sem possibilidades de ganhar a sua independência. A jusante, a sua ambição faz dela uma self made woman, uma arrivista, uma representante da apropriação da riqueza à custa do trabalho de muito africanos (ou australianos) mal pagos, dominados e impedidos de viver em condições sociais apropriadas.

 

         Referência

         GERSÃO, Teolinda (1997). A Árvore das Palavras. Lisboa: Publicações Dom Quixote, Lda.

[Publicado a 11-02-2025]

Maria João Simões