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Maria Lionça

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Autor: Madalena Aragão como Maria Lionça

Maria Lionça (Miguel Torga, Contos da Montanha)

Maria Lionça, personagem do conto “A Maria Lionça”, de Miguel Torga (1907-1995), presente em sua obra Contos da Montanha, publicado originalmente em 1941, era uma jovem adorada por todos os moradores da pequena Galafura, vilarejo da região de Peso da Régua, ao norte de Portugal. Sua figura vincula-se à ideia de determinação, resiliência e solidez de caráter, que moldam o caráter de alguns indivíduos mesmo diante de um destino marcado pela dor.

A narrativa inicia-se pela comoção que a morte de Maria Lionça causou em toda Galafura. Bonita, sempre sorridente, ela era a própria metáfora do vilarejo, “legenda de Galafura” (Torga, 1996: 5), personificação de tudo que havia de mais positivo ali. Desde seu nascimento até sua morte, conquistou a todos; mesmo pobre e sem muito conhecimento, “nem ler sabia!” (5), era falar seu nome para logo induzir “um respeito silencioso, uma emoção contida, como quando se ouve tocar a Senhor fora” (5). Por isso, quando deu seu último suspiro, deixou em todos a sensação de que não “podia morrer no coração de ninguém uma realidade que em setenta anos fora o sol de Galafura” (6).

Infelizmente, a sorte não lhe sorriu em vida, sua trajetória foi um calvário de provações e sofrimentos. Por representar um ideal de valores, nenhum rapaz ousava lhe fazer a corte. “Quem é que merecia a dádiva de uma riqueza assim?” (6). Apenas Lourenço Ruivo, depois de voltar do serviço militar. No entanto, o casamento foi um erro desde o começo, o rapaz não assumiu suas responsabilidades, nem como marido no início, nem depois como pai do pequeno Pedro, e acabou por abandonar a esposa, partindo para o Brasil, a ela cabendo se tornar a “expressão humana dum sofrimento levado aos confins do possível” (6).

Porém, Maria Lionça manteve-se fiel aos votos matrimoniais, com uma postura de deliberada resignação, sem nunca se queixar, e abraçando silenciosamente o seu infeliz destino. Tal como Penélope, dividia seus dias tristes a fiar e esperar. Todos os dias, viam-na pelo rumo do correio na esperança de uma carta que fosse de Ruivo: “velha, branca, igual, a Lionça voltava pelo mesmo caminho e sentava-se ao lume a fiar, pondo na regularidade do fio a estremada regularidade da sua vida” (08). Diante de tamanha resignação, os moradores de Galafura “a viam, segura e repousante no seu posto, e capaz de todos os heroísmos dum ser humano” (08).

Quando o marido retorna, humilhado e à beira da morte, ela o acolhe, e ainda fica com as dívidas de seu tratamento. O filho, após o desencanto diante da figura patética do pai, foge para Lisboa e vai se tornar marinheiro. “E nova via sacra começou na loja do correio.” (8), até que chegam notícias de sua morte, e coube à Maria Lionça trazer seu corpo, e “o Pedro subia a serra para dormir o derradeiro sono em Galafura, que era ao mesmo tempo a terra onde nascera e o regaço eterno de sua mãe” (9).

Em 2023, o conto teve adaptação e produção da Fado Filmes para a RTP, sob direção de Luís Galvão Teles no projeto “Histórias da Montanha”, que envolveu cinco contos de Miguel Torga. Maria Lionça foi interpretada por Madalena Aragão, e o episódio foi ao ar em 4 de setembro de 2023.

 

Referência

TORGA, Miguel. “Maria Lionça”, Contos da Montanha. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996, pp. 5-9.

 

[Publicado a 07-11-2024]

Elizete Albina Ferreira