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Joel Strosse

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Autor: Ilustração de José Serrão e Carlos Marques

Joel Strosse (Mário de Carvalho, Era bom que trocássemos umas ideias sobre o assunto)

Joel Strosse Neves é uma personagem de Era bom que trocássemos umas ideias sobre o assunto (romance originalmente publicado em 1995) que, no correr dos anos, percebe seu envelhecimento face à sua desvalorização diante de todo o processo de modernização que invade seu quotidiano. Trata-se do “protagonista desta história” (Carvalho, 2005: 17), alguém que o narrador escolheu como “personagem capital” (154), ainda que em alguns momentos ele seja “sobremaneira negligenciado” (154). Na narrativa, “não se sabe grande coisa sobre a vida do Joel, por que caminhos terá andado: mas sabe-se que era um infeliz, tudo lhe corria mal” (Silva, 2002), conforme Carvalho. Desde as pretensões para o futuro do filho, envolvido com entorpecentes, até sua desventura face ao rebaixamento no emprego, o leitor é ininterruptamente convidado a compartilhar toda a demanda vivida pela personagem em busca da realização do desejo de ingressar, ainda que tardiamente, no Partido Comunista Português.

A personagem caracteriza-se por “ser cinquentão” (Carvalho, 2005: 19) e ter “físico para o esguio” (19). Joel é “o ‘herói sem nenhuma conquista’” (Niederauer, 2008: 83), o burocrata da Fundação Helmut Tchang Gomes (83) rebaixado por “um badameco recém-chegado (...) [, que] tinha poderes para o sepultar na biblioteca” (Carvalho, 2005: 24), visto que “ele não consegue (e recusa-se) a acompanhar a modernização pela qual a firma passa” (Niederauer, 2008: 83). Nos tempos modernos, ter criado seu próprio estilo (Carvalho, 2005: 24) e ser “a face da Fundação durante anos e anos” (24) parecia ter sido “tudo em vão” (24).

O “Joel Strosse, pacato, estudioso, falhado, hesitante, muito abelhudo e perguntador” (76), este homem, “descaído e barrigudo, de cabelo raro, apimentado e queixada roliça” (76), assemelhado às imagens surgidas dos imos dos tempos, sobre o qual, nos filmes publicitários, “a técnica não teria muito que trabalhar” (76), ao reencontrar o amigo do passado, Jorge Matos, “erigido ao panteão de heróis” (56), acredita ser capaz de modificar a continuidade de desgraças de sua vida. No entanto, a entrada de Joel para o PCP, ao invés de facilitada pelo amigo que integra o partido, parece cada vez mais distante entre as idas e vindas das personagens. A contradição dos traços presentes na personagem garante, pois, um tom jocoso diante do destino pretendido: ser parte de um partido político e capitalizar mudanças no porvir.

Desse modo, há uma continuidade da dúvida em torno do desejo de Joel, pois nem Jorge, nem as demais personagens compreendem imediatamente sua motivação. Nas palavras de Carvalho, em entrevista realizada por Marisa Torres da Silva, “era uma forma de obter reconhecimento e uma forma de o ouvirem. (...) Não falo por mim: sou pouco comunicativo, sou rápido a ouvir, não sou de conversas. Mas as pessoas precisam de conversar, de contar, de saber que alguém as ouve” (Silva, 2002). Explica-se, portanto, o enorme desejo da personagem em encontrar um espaço de acolhimento e de valorização. Há uma caricatura realizada ao partido que, outrora espaço de reflexão e luta, torna-se lugar de aparente fuga da realidade, construindo, assim, questionamentos sobre a esquerda (cf. Relvão, 1999).

Joel Strosse, casado com Cremilde Strosse Neves, revolta-se pela prisão do filho único, em quem depositava seus anseios. Era o filho, “desembaraçado e expedito” (Carvalho, 2005: 43), a esperança de vingar “os fracassos, as humilhações e as desditas” (43). O orgulho transforma-se em rancor, “Cláudio chefiava uma pequena rede de traficantes de droga” (41), sendo, então, condenado a sete anos de cadeia, que Joel, por sua vez, soube disfarçar, especialmente ao dizer que “Cláudio estava, ora na Suíça, ora na Áustria, ora no Canadá, tudo paradeiros respeitáveis” (37).

Elabora-se, por conseguinte, um inquietante percurso pela vida de uma personagem minuciosamente engendrada para confrontar toda uma geração perdida e, aparentemente, sacrificada face às mudanças políticas e econômicas de Portugal. O exagero presente na figuração de Joel permite que por meio de sua trajetória “as demais personagens e situações” (Niederauer, 2008: 83) sejam apresentadas. O processo de figuração de Strosse revela-se também caricatural, especialmente em suas motivações exageradas e em suas atitudes dúbias face à necessidade de fuga de seus problemas.

 

 

Referências

CARVALHO, Mário de (2005). Era bom que trocássemos umas ideias sobre o assunto. São Paulo: Companhia das Letras.

NIEDERAUER, Silvia (2008). “Era bom que trocássemos umas ideias sobre o assunto ou o simulacro da narrativa na pós-modernidade”. Letras de Hoje. Porto Alegre. 43(4): 83-88.

RELVÃO, Madalena M. Marques Neves (1999). Estratégias de subversão em Mário de Carvalho. Dissertação de Mestrado. Universidade de Aveiro. Disponível em https://ria.ua.pt/handle/10773/23108 (Acesso em 24/06/2021).

SILVA, Marisa Torres da (2002). “Sou pouco comunicativo, sou rápido a ouvir, não sou de conversas”. Entrevista com Mário de Carvalho. Público, 25 de Setembro. Disponível em https://static.publico.pt/docs/cmf/autores/marioCarvalho/entrevista.htm (Acesso em 24/06/2021).

 

 

Luciana Silva