Personagem central do romance de cariz autobiográfico A escola do paraíso (1960), protagonista-criança que retrata, através de vivências e sobretudo pela sua postura de observador, os primeiros anos do século XX, na cidade de Lisboa. Gabriel assiste, assim, ao regicídio e à tumultuosa querela entre monárquicos e republicanos, à implantação da República e até à passagem do cometa Halley. Desta forma, a dinâmica do relato está subordinada ao seu olhar. A estratégia narrativa adotada envolve o desvendamento progressivo do protagonista, pela voz aparentemente impessoal de um narrador omnisciente, alternando com um discurso na primeira pessoa, num recorte nítido a partir do olhar da figura principal.
Gabriel nasceu no seio de uma família humilde e trabalhadora – o seu pai, de origem galega, trabalha como porteiro num hotel e a mãe dedica-se às tarefas domésticas e à educação dos filhos –, sendo o mais novo de três filhos (os outros são Santiago e Águeda). Tudo começa com o seu nascimento; um momento tão marcante como inusitado, fruto de um parto atribulado, provocado, indiretamente, por um gato preto que, a partir de então, passa a ser uma presença constante no berço do novo membro da família.
Desde cedo, é notória a admiração de Gabriel pelo pai, a quem via todos os dias sair para o trabalho, acompanhando-o a partir da sacada da janela até perdê-lo de vista. A figura paterna é marcada pela ausência, fator que faz aumentar a curiosidade de Gabriel. Com a mãe, a relação é umbilical e pautada pela afetividade. É uma criança perspicaz, curiosa e muito observadora (“espia tudo sem falar, de olhos bem abertos”; Miguéis, 1989: 213). O mundo dos adultos fascina-o, embora a sua ingenuidade não permita que decifre muito do que vê e ouve. Como todas as crianças, Gabriel é impaciente e um pouco irrequieto: cansa-se de esperar pelo pai no dia em que este fazia anos e uma vez desaparece; a mãe desesperada encontra-o sentado tranquilamente no beiral da janela. Outra das suas características é a teimosia: “Este pequeno, que nunca se dá por vencido!” (64).
Quando tinha dois anos e meio, Gabriel foi uma manhã com os irmãos para a escola. A partir desse dia, não quis ficar em casa; perante tanta insistência, “não houve outro remédio senão deixarem-no ir também” (39). Gabriel é uma criança delgada e tímida, sendo definido pelo seu feitio, pois tanto tem de agressividade como logo a seguir é assolado pelo arrependimento: “Nunca se zanga por mais de um minuto” (175). Perante o afastamento abrupto de Chiquinho, seu amigo inseparável, após uma discussão, Gabriel fica desolado, a solidão pesa-lhe, pensa até em fugir: “Sente-se abandonado, incompreendido. As lágrimas correm-lhe.” (175).
Gabriel cansa-se com relativa rapidez das tarefas, mas uma das suas atividades preferidas é estar à janela a observar os vizinhos. Nutre por Antero, menino que vive em frente e que é órfão de pai, sentimentos paradoxais: a par da inveja pelos muitos brinquedos do vizinho, surge em Gabriel a preocupação ao vê-lo passar os dias fechado a brincar sozinho. Pensa então numa maneira de mitigar a sua solidão; a compaixão leva-o a deixar de dizer o habitual adeus ao pai, todas as manhãs, para não melindrar Antero.
Em momentos de aflição, Gabriel encontra conforto junto da irmã Águeda, que assume com a mãe uma postura protetora. Relativamente ao irmão, a relação é marcada por uma instabilidade que Gabriel estranha, visto que Santiago “ora abraça (…) ora ameaça e grita de pancada” (127). É o irmão, que a pedido da mãe, o leva ao primeiro velório, porém Gabriel não se impressiona; a vida intriga-o mais do que a morte.
O romance A escola do paraíso retrata o percurso de uma personagem desde o seu nascimento até à pré-adolescência. Perante o seu olhar apurado desfilam figuras, situações e cenários que são observados, vivenciados e analisados a partir da ingenuidade e da pureza de uma criança que procura entender o mundo que o rodeia.
Referência
MIGUÉIS, José Rodrigues (1989). A escola do paraíso. Lisboa: Editorial Estampa.
[publicado a 25-02-2021]