Personagem feminina de origem andaluza que dá nome a um poema narrativo da autoria de Bulhão Pato, saído em 1866. A par de D. Jaime (1862) de Tomás Ribeiro e do Poema da Mocidade de Pinheiro Chagas (1866), Paquita atestava a justeza da polémica literária travada entre a “Escola do Elogio Mútuo” e os novos.
Vislumbra-se nesta criação o contacto de Bulhão Pato com os modelos literários castelhanos, mormente com El libro de los Cantares de A. de Trueba, bem como a influência da "escola italiana", reconhecida por Alexandre Herculano (Herculano, 1894: XII). Embora o poema seja constituído por dezasseis cantos, Paquita, a ingénua heroína, só comparece esporadicamente nos três primeiros cantos, voltando a assomar no sétimo, no décimo primeiro (como vaga lembrança na memória do enamorado) e no décimo sexto.
É Pepe, o primo pelo qual ela nutre um amor puro e fiel desde a infância, que surge com assiduidade ao longo deste texto prolixo, ora envolvido em affaires amorosos, ora cumprindo, com certa heroicidade, o papel de soldado a favor da causa espanhola, mais como manifestação das paixões violentas que o assolam do que como prova denodada do seu sentido de dever.
Colocando a tónica na beleza e na fragilidade da heroína romântica (“Paquita era a expressão de quanto há belo: Andaluza de lei, alta e morena, /A cintura um anel, negro cabelo, / Sorriso tentador, boca pequena, / E dessa palidez com que nos pintam / Os beatos a mártir Filomena”; Pato, 1894: 2), o narrador não deixa de ressaltar também a sua candura e inocência que, à semelhança de tantas outras mulheres-anjo órfãs, abundantes na literatura da época, parece viver alheada do mundo real, não vendo maldade nem maus instintos em nada. Rodeia-se de pudores e de floreados retóricos o beijo trocado entre os dois amantes no momento da despedida que, mais do que preservar a “jovem filha da ardente Andaluzia”, a “chistosa e travessa morenita” (16), procura não chocar a leitora recatada, principal destinatária do poema.
A separação forçada do par quase transfigura Paquita, repassada pela dor ("Nos olhos negros, mórbidos, rasgados, / Cintila o pranto; a voz lânguida expira / Nos seus lábios trementes e corados” ;Pato, 1894: 27) e descrita como um “Pobre lírio do vale” (29), prestes a enveredar por um caminho ascético. A dado momento, o imaginário medievalizante da castelã abandonada contamina a composição da personagem (31) sempre crédula e apaixonada. A carta que escreve ao amado antes da sua partida tem a toada melodramática e sentimental que enforma boa parte do poema, ainda que na missiva a menina vaticine, num acesso de lucidez: “Tu me virás a esquecer” (113). Encerrada num convento onde “[n]o silêncio do claustro espera e ama” (226), Paquita cede lugar a outras mulheres que entram na vida de Pepe, num paralelo entre este e Carlos, das Viagens na Minha Terra.
Plana, sem nunca nos surpreender, a protagonista acaba por reaparecer no último canto que, de modo apressado, volta a juntar o casal, o doente e a enfermeira (“Que prodígios não fez, para salvar / O santo amor de toda a sua vida, / A ingénua recolhida!”; 487).
Referências
PATO, Bulhão (1894). Paquita. Poema em XVI Cantos. 2.ª ed., Lisboa, Typographia da Academia Real das Sciencias.
HERCULANO, Alexandre (1865). “Resposta” à carta-dedicatória de Bulhão Pato, Paquita, Poema em XVI Cantos. 2.ª ed., Lisboa, Typographia da Academia Real das Sciencias, XI-XXI.
[publicado a 24-02-2017]