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N > NEMÉSIO, Vitorino

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Autor: Vitorino Nemésio por António Dacosta

Vitorino Nemésio - (1901-1978)

Vitorino Nemésio Mendes Pinheiro da Silva nasceu na Praia da Vitória (Ilha Terceira), a 19 de dezembro de 1901, e morreu em Lisboa, a 20 de fevereiro de 1978. Presentemente reconhecido como um dos grandes ficcionistas e poetas do século XX português, Vitorino Nemésio foi também ensaísta, cronista, historiador da literatura e da cultura e professor universitário (na Faculdade de Letras de Lisboa), no decurso de uma vida intelectual muito rica, que jamais o afastou dos Açores, nos planos afetivo e da tematização literária.

Tendo começado a destacar-se vida literária dos anos seguintes ao modernismo, no final dos anos 30, Nemésio dirigiu a Revista de Portugal (1937-1940). Trata-se de uma das mais influentes publicações culturais do século XX em Portugal, caracterizada por um ecletismo que favoreceu a convergência, nas suas páginas, de várias gerações de escritores, com diferentes orientações estéticas.

No plano da produção literária propriamente dita, o poeta Vitorino Nemésio abre pistas para a leitura crítica da sua obra lírica, no prefácio da recolha Poesia (1935-1940), de 1961; aí sintetiza, com significado particularmente a partir de Eu, Comovido a Oeste, um pensamento poético dominado pelos “temas coerentes e reiterados da busca do sentido da existência pela representação do passado: o mundo da infância no microcosmo da Ilha: o isolamento no seio de uma comunidade patriarcal: revelação de Deus e do próximo na vizinhança e na família, do destino no amor e na promessa da morte” (Nemésio, 1989: 710). A poesia nemesiana inicia-se na juventude açoriana (Canto matinal, 1916) e prossegue praticamente até ao fim da vida: Nave etérea, 1922; La voyelle promise, 1935; O Bicho harmonioso, 1938; Eu, Comovido a Oeste, 1940; Festa redonda, 1950; Nem toda a noite a vida, 1952; O pão e a culpa, 1955; O verbo e a morte, 1959; O cavalo encantado, 1963; Andamento holandês e Poemas graves, 1964; Canto de véspera, 1966; Poemas brasileiros, 1972; Limite de idade, 1972; Sapateia açoriana, Andamento holandês e Outros poemas, 1976.

A obra ficcional de Vitorino Nemésio envolve outros componentes e escolhas formais. O seu romance mais significativo é Mau tempo no canal (1944), composto na sequência de Varanda de Pilatos (1926), que com ele forma uma espécie de ciclo de aprendizagem. Em Mau tempo no canal, pode ler-se uma representação do imaginário açoriano, com forte presença feminina, através da protagonista Margarida Clark Dulmo; nesse imaginário construído sobre um espaço nebuloso e atravessado por costumes, por mentalidades e por atitudes de forte caracterização cultural, em contexto açoriano, a memória pessoal ocupa lugar de destaque, como fator de reconstituição do mundo ficcionalizado e das figuras que o povoam. Note-se que, tal como muita da restante obra de Nemésio, Mau tempo no canal foi um romance tardiamente valorizado, decerto pelo facto de ter sido publicado em plena explosão do movimento neorrealista, com tudo o que isso implicou no plano das prioridades da crítica; o que poderá explicar que logo então não tenha sido feita plena justiça àquele que hoje é considerado um dos grandes romances da nossa literatura.

A Mau tempo no canal seguem-se O mistério do Paço do Milhafre (1949) e os contos de Quatro prisões debaixo de armas (1971), bem como as crónicas de Corsário das Ilhas (1956), de Viagens ao pé da porta (1969) e de Jornal do Observador (1974). O que a ficção nemesiana atesta, entre outros aspetos, é uma arte de narrar em que o contador de histórias de matriz açoriana articula estratégias realistas com incursões psicológicas e com uma vocação de arguto cronista do tempo e dos espaços observados.

Para além de uma obra literária hoje amplamente reconhecida, Vitorino Nemésio ficou a dever à televisão a notoriedade pública de um notável comunicador e divulgador de cultura, por força do programa Se bem me lembro (a partir de 1969), bem depois de uma primeira colaboração cronística na rádio, nos anos 40 (Ondas médias, 1945). O centenário de Vitorino Nemésio, celebrado em 2001, confirmou não apenas a crescente atenção crítica merecida por um dos grandes escritores do século XX português, mas também o que já anteriormente fora observado: o carácter polimórfico e mutável da sua obra.

 

Referência

NEMÉSIO, Vitorino (1989). Obras completas, vol. II: Poesia. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda.

 

 

Personagens no dicionário:

João Garcia (Mau tempo no canal)

Margarida Clark Dulmo (Mau tempo no canal)