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Conde de Fróis

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Autor: Capa de edição Círculo de Leitores.

Conde de Fróis (Mário de Carvalho, A Paixão do Conde de Frois)

Conde de Fróis, d’ A paixão do conde de Fróis (1993), de Mário de Carvalho, é uma personagem mencionada no título do livro, correspondendo a uma personagem-título (Reis, 2018: 517), que tem sua saga exposta desde a necessidade de sua partida de Lisboa até ao fim trágico em S. Gens.

Nesse sentido, sendo a categoria personagem colocada em destaque desde o título, percebe-se e até mesmo espera-se que a história convirja no conde de Fróis. Na narração de Carvalho há, por conseguinte, ações que acarretam a constituição dessa personagem rica em virtudes e contradições. Segundo Fernando Mendonça, “este é, de facto, o pano de fundo de A Paixão do Conde de Fróis, a paixão de ser capaz de reconstruir uma fortaleza absolutamente inútil” (apud Arnaut, 2012: 192). Trata-se obviamente das demandas perpetradas por um nobre português, “desterrado para S. Gens, onde deve assessorar o comandante da praça” (192).

A história contada por um narrador omnisciente constitui-se pela visão em primeira mão de um fato histórico, a expulsão ou o exílio do “jovem conde de Fróis” (Carvalho, 1993: 13), “homem de serralhos, de cavalos e de touros” (13), após envolver-se “em rija guerreia, numa dessas quelhas de Lisboa, entre barracões de madeira e muros esboroados” (13), por ferir também os “filhos do marquês de Pernes” (14). Ao conde pai, “o velho Fróis” (14), coube mover empenhos e conseguir a comutação da pena. Assim, o jovem conde de Fróis, parte para assessorar o coronel da praça de S. Gens, devendo lá permanecer até que toda a confusão estivesse esquecida. O cenário inicial da existência do conde de Fróis é Lisboa, posteriormente, a praça de S. Gens, “perdida na raia de Trás-os-Montes” (14). Dessa forma, vê-se que a composição do conde Fróis se faz por meio da grandeza também de sua tipificação social. Afinal, o destino dado a ele após o conflito é possibilitado a partir dos contatos do conde pai, ente de existência efêmera na narrativa, porém construído para indicar as relações e valores existentes na inter-relação possível entre o conde e “el-rei”. Para Arnaut, “nosso protagonista [...] sofre, progressivamente, uma semelhante via crucis de incompreensão, desencadeada pelo inexplicável e assombroso empenho com que pretende defender a praça que acaba por interinamente comandar” (Arnaut, 2012: 192).

Ao fidalgo estava destinado “um casarão de granitos velhos, sobradado [...] lá numa estrema da vila” (Carvalho, 1993: 25). O conde, desde a mudança para S. Gens, na visão do padre que o acompanhara por obrigação passara de um “taful e indolente, fútil e brigão” (28), para um “homem rijo e madrugador, ríspido nos gestos, acertado nos ditos, lúcido nas intenções e decidido na execução” (28). Afinal, o “conde não parava quieto, nem sofria retardos ou desmazelos” (29), sua atuação era impecável de reordenar a praça de S. Gens, organizar as tropas e, em certo sentido, reformar o seu novo domínio, pedindo ou não dinheiro ao pai. De acordo com Arnaut, “a preocupação em atingir uma excessiva competência”, se resumiria, “em derradeira instância, numa incompetência caricata que se traduz na impossibilidade de gerir diplomaticamente as relações entre civis, padres incluídos, e militares” (Arnaut, 2012: 193).

A narrativa histórica do conde de Fróis, escrita em terceira pessoa, constitui-se a partir da urdidura de um tecido emaranhado por contrastes; o olhar do padre e suas constatações, permitem a focalização do que seria um caminho de dessacralização e, mesmo, de conflito entre os opostos que figuram nessa personagem. Os atributos presentes no conde de Fróis são decorrentes de dispositivos de figuração de diferentes naturezas. Logo no início da narrativa a personagem é descrita por ser um jovem conde, homem de cavalos e de touros. Na sequência, são encontradas características voltadas para seus modos e mesmo crescimento como homem e cavalheiro. Em seguida, o narrador, referindo-se ao autor do livro como um ente ficcional, observa: “seria talvez a altura de o autor, que nunca no decorrer da narração deixou de mostrar alguma admiração pelo conde e governador de S. Gens, lhe pôr na boca ou no pensamento uma tirada dramática” (Carvalho, 1993: 199).

Mário de Carvalho constrói, então, por meio de dispositivos retórico-discursivos, envolvendo descrições de um narrador omnisciente, uma personagem capaz de ser admirada até mesmo por um autor. Mais uma vez, em tom irônico e crítico, o escritor convida seus leitores a ingressarem em um universo metaficcional, revelando que “a história tem os seus pruridos de verdade” (199). A qualidade literária de Carvalho expõe, portanto, uma obra intrigante e marcada pela figuração de uma personagem de contrastes e exageros até a traição.

 

Referências

ARNAUT, Ana Paula (2012). “A Paixão do Conde de Fróis: paródia e subversão”, in Maria de Fátima Silva; Tereza Virgínia Ribeiro Barbosa (orgs.). Ensaios Sobre Mário de Carvalho. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra. Disponível em <https://digitalis-dsp.uc.pt/bitstream/10316.2/37029/1/A%20Paixao%20do%20Conde%20de%20Frois.pdf?ln=pt-pt>, acessado em 27 jul. 2020.

CARVALHO, Mário de (1993). A paixão do Conde de Fróis. Lisboa: Editorial Caminho.

REIS, Carlos (2018). Dicionário de estudos narrativos. Coimbra: Almedina.

Luciana Silva