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Marta de Prazins

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Autor: Capa de edição Luso Livros.

Marta de Prazins (Camilo Castelo Branco, A Brasileira de Prazins)

A Brasileira de Prazins (do romance homónimo de Camilo Castelo Branco, publicado em 1882) é o nome pelo qual Marta é conhecida, por ser de Prazins e por ter casado com seu tio Feliciano que voltou rico do Brasil. Antecede este casamento toda uma história de amores contrariados, de ciúmes e de intrigas que decorre desde o final da guerra entre liberais e absolutistas até à deposição do regime cabralista – um período conturbado, com frequentes levantamentos e escaramuças, nomeadamente a norte do Porto.

A intriga gira em torno da família do lavrador Simeão que, inicialmente, negoceia o casamento da filha Marta com Zeferino, um pedreiro muito trabalhador, filho de um alferes miguelista, mas Simeão dá o dito pelo não dito ao saber que o irmão regressa rico do Brasil. Marta, entretanto, apaixona-se por José Dias, estudante que abandonara os estudos no seminário devido à sua fragilidade física; o pai de Marta, Simeão, não deixa de considerar as vantagens financeiras de uma ligação com a abastada casa de Vilalva. Quando Zeferino vai pedir explicações a Simeão é ridicularizado e, a partir desse momento, jura vingança; enceta então toda uma série de ações desordeiras sob as quais oculta a sua intenção vingativa pessoal. Estas ações enquadram-se nos múltiplos desacatos e intentonas de reposição do poder miguelista, sustentados por rumores do regresso de D. Miguel e mesmo pelo histórico episódio do falso D. Miguel, que surgiu em S. Gens de Calvos, protagonizado pelo mistificador Veríssimo Camelo Borges da Mesquita – episódio que permite a expansão da veia cómica e burlesca de Camilo Castelo Branco neste romance.

A resistência relativamente ao enlace, por parte da família Vilalva, a não-vontade de reparar a desonra da moça, comentada pelas bocas maledicentes, mais o agravamento da tuberculose e depois a morte de José Dias acabam por desencadear o primeiro ataque epilético de Marta e os primeiros sintomas da sua futura loucura, sendo tudo isto entendido como carga hereditária da sua mãe que, tendo enlouquecido, se suicidara. Assim, Marta representa, por um lado, a jovem casadoira filha de lavrador abastado que o pai dá ou promete em casamento, de acordo com os seus interesses sobretudo financeiros; por outro lado, tendo ficado órfã muito cedo, de uma mãe epilética e suicida, Marta torna-se uma filha mimada, voluntariosa e pouco obediente, não se submetendo à vontade paterna senão sob coação emocional, quando o pai está à beira da morte depois de ter sido gravemente ferido por Zeferino. Por alguns destes aspetos, e também pelo que diz respeito à caracterização física, Marta foge ao estereótipo da moça casadoira, reboluda e grosseira, filha de lavradores do norte. Pelo contrário, Marta de Prazins é caracterizada diretamente pelo narrador, logo no início do romance, como uma rapariga muito alva e magrinha. A configuração de Marta enquanto personagem oscila, pois, entre uma caracterização que a apresenta com traços da clássica heroína sentimental e trágica, tão do agrado romântico (sobretudo no início do romance onde é comparada com Virgínia, com Francesca e com Julieta), e uma caracterização de tendência determinista, que acentua a influência do ambiente, dos fatores hereditários e também da educação nos comportamentos.

Esta última vertente avoluma-se no final do romance, quando Marta é manipulada pelo pai e pelo magro e avarento tio Feliciano com quem acaba por se casar, sobretudo quando a entregam ao poder dos missionários, nomeadamente a Frei João, para a curar da impureza demoníaca, visível nos seus sintomas, através de um exorcismo; coisa que, afinal, apenas acelera a sua demência. A hereditariedade é também acentuada pela referência à fraqueza de espírito dos cinco filhos que a demência não impediu Marta de ter. Esta oscilação caractereológica é profundamente reveladora da ambiguidade compositiva do romance que nem sempre combina bem a narração da intriga sentimental, com o tom crítico e sarcástico que se dirige à ignorância e à insensibilidade do mundo rural recheado de aristocratas decadentes, brutos e alcoólicos e abades e homens da igreja gordos e conservadores. Simbolicamente, a personagem representa a dependência da mulher oitocentista, funcionando como um retrato de um Portugal reacionário e atrasado, que Camilo conhecia em pormenor e ao qual também não conseguiu escapar completamente, e onde mergulhou grande parte da sua cosmovisão romanesca.

No plano das refigurações transmediáticas, a personagem Marta de Prazins aparece como protagonista de uma adaptação televisiva, produzida em 1989 com o título Ricardina e Marta, onde a sua história é fundida com a de Ricardina, d’O Retrato de Ricardina (1868).

 

Referências

CASTELO BRANCO, Camilo (2001). A brasileira de Prazins: cenas do Minhoo. Prefácio de João Bigotte Chorão. Lisboa: Caixotim.

Maria João Simões