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Isabel Moscoso Penalva

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Autor: Capa da edição de 1984, Lello Editores.

Isabel Moscoso Penalva (Abel Botelho, Fatal Dilema)

Protagonista de Fatal Dilema, um romance escrito ao longo do ano de 1899, tendo sido publicado em 1907. O romance começa com a morte de Eusébio Penalva, jurista e diplomata aposentado, no seu palacete de Campolide, rodeado da esposa, da filha e de um pequeno número de amigos, que continuarão a frequentar até ao final do romance a residência da família Penalva. Como é habitual nos romances de inspiração estilística naturalista, os antecedentes de Isabel Moscoso, a facilmente resignada e ainda jovem viúva, aparecem em analepse, neste caso no capítulo II. A mãe desta, uma “chilena formosíssima, temperamento de fogo e coração de pedra” (Botelho, 1983: 37), fora abandonada, grávida, pelo homem por cuja paixão deixara a casa paterna e fugira para a Europa. O putativo pai de Isabel, Cristóvão Amaral Moscoso, boémio incorrigível mas ingénuo, deixara-se seduzir e enganar pela história contada pela bela aventureira, Pilar, que se lhe apresentara dizendo-se vítima de um naufrágio e lhe recusava os avanços carnais pretextando o voto de perpétua virgindade que na aflição do naufrágio havia feito, se sobrevivesse. Pilar morreria seis dias depois de dar à luz a protagonista do romance. Mesmo profundamente dececionado com a descoberta dessa inesperada e infame gravidez, o Amaral casara com ela in articulo mortis e assumira a paternidade da filha. Isabel era ainda uma adolescente, com 15 anos, quando se casa com Eusébio Penalva, que andava nessa altura pelos 50, ao qual será repetidamente infiel. Herdara o sangue ruim da progenitora, que, no entanto, não transmite à sua filha, a virginalmente romântica Susana.

Apesar de suspeita de um comportamento licencioso, Isabel, ou melhor dizendo, D. Isabel, como quase todos lhe chamam incluindo o próprio narrador, é a mulher do momento em Lisboa. Os frequentadores do São Carlos parecem mais pendentes da presença ou ausência da mãe de Susana no teatro do que da qualidade do espetáculo. Afastando-se de uma imparcialidade tão desejada como inatingível pela estética naturalista, o narrador classifica-a de “deslumbrante pecadora” (162).

Há uma óbvia relação de parentesco de Isabel com o paradigma bovarista da mulher adúltera, mas enquanto em Madame Bovary e nos mais importantes romances que tematizaram o adultério na fase histórica do naturalismo, a intriga assentava no processo que conduzia à degradação moral da protagonista, em Fatal Dilema as primeiras aventuras eróticas extraconjugais são meramente sumarizadas, fixando-se o clímax no triângulo constituído por Isabel, Susana e Heitor, o amoral D. Juan do romance que a protagonista e o marido tinham conhecido em França, onde se dedicava à especulação financeira e aos jogos de azar. Como sucede com todas as heroínas bovaristas, também no caso de Isabel Moscoso a literatura romântica fora um elemento determinante para a sua degradação moral: “Aos 15 anos, já ela havia assimilado todo o insidioso veneno que instilam, pelas fascinadoras armadilhas do seu estilo, os livros de George Sand, Paul Féval, Arsène Houssaye, Feuillet, Sandeau e outros celerados sentimentais da mesma laia” (36).

A distinção fundamental entre Isabel e as restantes personagens do romance não reside no espaço nem no relevo que lhe é concedido na economia da narrativa, mas no facto de ser a única que escapa a um tratamento narratológico estereotipado e tipificado. As páginas verdadeiramente determinantes do romance são aquelas em que o leitor acede à corrente de consciência de Isabel, que enfrenta um “fatal dilema”. A avidez sexual e o amor-próprio não lhe permitiam aceitar ser abandonada pelo amante, que apostava agora num casamento com Susana, que lhe resolveria os problemas económicos com que se debatia, mas a torpeza ética de Isabel não destruíra nela o amor maternal. Quando compreende que a filha está prestes a sucumbir ao assédio de Heitor, Isabel procura por meios pouco lícitos, que prejudicam inclusivamente a honra da filha, afastá-los um do outro; mas a fulminante doença de Susana — desencadeada pela descoberta da relação amorosa entre a mãe e Heitor — provoca na protagonista sentimentos de perturbação, angústia e remorso que pareciam ausentes da sua natureza egocêntrica. É, porém, demasiado tarde para inverter positivamente a situação. Na cena derradeira do romance, enquanto Susana se despede da vida envolta nos braços da sua mãe, Isabel descobre nos olhos da filha o reflexo do “fulminador anátema” (441) do velho Eusébio, que igualmente desistira da vida ao descobrir a traição da mulher.

 

Referência

BOTELHO, Abel (1983). Fatal Dilema. Texto estabelecido por Justino Mendes de Almeida. Porto: Lello & Irmão.

[publicado a 03-09-2018]

António Apolinário Lourenço