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Maria do Céu

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Autor: Alfredo Moraes

Maria do Céu (Carlos Malheiro Dias, Paixão de Maria do Céu)

Personagem principal do romance Paixão de Maria do Céu, de Carlos Malheiro Dias, publicado em 1902. A obra inscreve-se num cenário histórico pouco representado na ficção portuguesa: o tempo das Invasões Napoleónicas. A ação diegética inicia-se em outubro de 1807, na iminência da entrada do exército francês no País, sob o comando de Junot; no solar de Corgo (Torgueda, Vila Real de Trás-os-Montes) prepara-se a festa dos vinte anos da fidalga rural, herdeira de um vasto morgadio e destinada a um casamento condizente com a sua condição. Os festejos são ensombrados pela tensão política do momento: o pai de Maria do Céu, um velho combatente obcecado com a desguarnição militar das províncias, conspira na região pela formação de milícias civis mas, num país desmoralizado e desorganizado, os planos patrióticos do fidalgo são condenados ao insucesso. Inconformado, o velho Sepúlveda decide instalar-se com a filha na capital, na ilusão de pressionar o poder. Ironicamente, a chegada a Lisboa coincide com a fuga da família real para o Brasil. O episódio impressionante do embarque em Belém, em que uma corte grotesca se despede do povo que assiste passivamente ao seu próprio abandono, é descrito com notável realismo dramático.

É neste contexto de decadência nacional – em que se projeta o pessimismo histórico do tempo da escrita do romance – que se desenvolve a trama sentimental da protagonista. A infância feliz de Maria do Céu, uma menina mimada que cresceu no campo, rodeada de riqueza e de criadas maternais, dá lugar a um período disruptivo de perda da inocência. Em Lisboa, hóspede duma família tristonha e sem vida social, vê à distância a palpitação inebriante duma cidade sitiada, que se deslumbra com o invasor sem consciência da humilhação que sofre: "Vista de longe, a existência de Lisboa era uma saturnal; vista de perto, uma agonia. (...) De dia mercenária, de noite prisioneira" (Dias, 1902: 238). Maria do Céu, inocente e imatura, é uma vítima desta submissão que afeta os valores morais coletivos. Assim se explica o desinteresse pelos pretendentes nacionais e a paixão fulminante por um oficial francês, De Marmont, que a convence a fugir de casa, seduzindo-a com a promessa de uma vida de fantasia em Paris: "A portuguesa delirava com os franceses como os romanos tinham delirado com as sabinas, caindo ansiada e ofegante sobre o peito branco e forte desses aventureiros brigões e rapinantes, animais robustos de devassidão e de assédio" (244).

Embora a ação gravite em torno da heroína, a sua figura não se destaca pela individuação e a caraterização psicológica é pouco elaborada. O retrato da jovem provinciana, órfã de mãe, é essencialmente romântico mas concebido à maneira realista, em função do determinismo da circunstância: uma educação mimada e devota, um temperamento impressionável e volúvel propiciam a paixão fatal. Mais do que construir um ‘caráter’, o objetivo do autor parece ser o de criar uma personagem alegórica, suscetível de representar um perfil e uma conduta típicos de uma sociedade decadente. O alcance exemplar da história sobressai nos capítulos finais, quando Maria do Céu, a caminho de França, se sente sequestrada pelo amante, como troféu de guerra, e toma consciência da leviandade. Em Paris é abandonada à miséria e redime-se dos erros cometidos; volta a Portugal doente e desfigurada, com a ajuda de um admirador dedicado que tivera por ela um amor recalcado. O desfecho melodramático é acentuado por mais um evento simbólico: ao acordar na casa paterna apercebe-se de que está cega; privando-a da visão, a pátria castiga a filha que a traiu.

 

Referência

DIAS, Carlos Malheiro (1902). Paixão de Maria do Céu. Lisboa: Livraria Editora Tavares Cardoso & Irmão.

Maria Helena Santana