Publicado em 1879, o romance Margarida, inscrito na Estética Naturalista preconizada por Júlio Lourenço Pinto, consiste numa conturbada história de adultério. Ambienta-se, em grande medida, na cidade do Porto, durante a segunda metade do século XIX. Nesta obra, Adelina sobressai como verdadeira protagonista. Embora seja Margarida a propiciar título ao livro, revelando-se, de igual modo, a grande vítima do desenlace trágico, o seu grau de participação no conflito é bastante inferior ao de Adelina Antunes, personagem que alimenta a dinâmica do romance.
Modelada a partir da canónica Emma Bovary, de Flaubert, Adelina encontra-se no âmago da intriga, visto ser a mulher por quem Fernando, marido de Margarida, se apaixona perdidamente. De “porte esbelto, gracioso”, “carnação terna e polpuda”, Adelina começa por surgir aos olhos do leitor como menina “bonita” e “esperta”, educada num colégio religioso, onde ocasionalmente era acometida por “certos impulsos de vivacidade”. Aos dezasseis anos, quando do falecimento de sua mãe, a adolescente passa a viver numa aldeia do Minho com o pai (apresentado como “Sr. Antunes” ou “o Antunes”), antigo caseiro da Quinta da Cortegã. Apaixona-se então por Luís Albuquerque, amigo de infância e descendente dos fidalgos que o pai servira.
É a partir do casamento entre Luís e Adelina que se revela o temperamento contrariado e nervoso desta personagem arrebatadora. Desiludida, por um lado, com o caráter acomodatício do seu marido e, por outro, com as limitações do meio provinciano, Adelina almeja frequentar a sociedade burguesa, convencendo Luís a estabelecer residência no Porto.
Plena de ambição, Adelina transforma as suas grandes esperanças numa paixão tórrida pelo distinto Fernando de Azevedo, detentor de posição invejável no meio comercial portuense. Casado com Margarida, que estudara com Adelina no colégio religioso, Fernando tenta resistir, sem sucesso, aos encantos da mulher de Luís. Desejando conquistar Fernando a todo o custo, Adelina recorre aos artifícios do seu caráter “imperativo e tempestuoso”, o qual emerge em definitivo após a mudança para a cidade invicta, tornando-se no motor da narrativa.
Visando concretizar os seus fins, Adelina Antunes transfigura-se em femme fatale ardilosa, possuidora de recursos quase inesgotáveis. Vislumbra-se aqui uma personalidade psicologicamente instável, por vezes genial, dotada de laivos artísticos. Exemplo disso é a forma brilhante como Adelina, desejando atrair atenções num serão, toca piano e declama poesia; e de como, nas inúmeras ocasiões em que atormenta Fernando, demonstra capacidades dramáticas dignas dos melhores elencos teatrais.
Durante os últimos capítulos, esta personagem assume uma vertigem de vaidade que delapida a economia da sua própria casa, acabando, igualmente, por perder o amante. Desgostosa e com o pecúlio arruinado, Adelina vê-se obrigada, por imposição do pai, a regressar com Luís à província. Seriamente deprimida, envergonhada, a Némesis de Margarida sofre contundente doença nervosa, não descartando, ainda assim, a possibilidade de enfeitiçar um jovem bacharel lisboeta (Maurício de Abranches), colocado como delegado na mesma comarca minhota.
Nas palavras finais da obra, a personagem Sr. Baltazar, boticário de aldeia, sentencia não apenas o caráter desta anti-heroína, mas também a moralidade com a qual Júlio Lourenço Pinto desejou terminar o seu romance: “ – O que ela precisava era uma boa trabalheira às costas, e um bando de filhos agarrados às saias, lá como as nossas santas” (Pinto, 1880: 490).
Referência
PINTO, Júlio Lourenço (1880). Margarida. 2.ª ed., Porto: Typ. do Commercio do Porto.
[publicado a 18-08-2020]