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Idalina

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Autor: Bernardo Marques

Idalina (José Maria Ferreira de Castro, A Lã e a Neve)

Idalina, personagem secundária em A Lã e a Neve (1947), é uma das mulheres virtuosas dos romances castrianos: “Virtuosa no amor, firme nas convicções, perseverante num futuro menos que certo” (Soares, 2024:72). A resiliência na virtude, lealdade e esperança alentam a promessa da felicidade e o sonho de uma casa de família airosa, com jardim. Idalina, futura mulher de Horácio, é o seu esteio, revelando-se apaziguadora e conciliadora nos bons e nos maus momentos.

Com rosto de faces largas e morenas e boca de lábios grossos, Idalina é uma mulher da Beira, humilde e trabalhadora. Jornaleira em campos alheios, e provavelmente não alfabetizada (Carvalho, 2016: 248). Mulher feita e prendada, vive em Manteigas com os pais (Januária e Vicente) e irmãos (Romão, Zeca, etc.), ajudando-os nas lides domésticas. No entanto, Idalina anseia sair de casa para casar, subvalorizando temporalmente a ideia de uma habitação soalheira e salubre em relação ao casamento como emancipação (Carvalho, 2016:248): “Porque não nos casamos e, depois, vamos fazendo a casa, pouco a pouco?” (Castro, 1990: 22). Já Horácio prefere primeiro reunir as condições (casa e trabalho) para depois casar e construir família. Consequência da sua experiência militar na urbe que o impele a sonhar mais alto e a ambicionar uma vida mais digna. Apesar do sofrimento da ausência, da inquietação da incerteza e da pressão familiar para casar, Idalina confia e persiste na relação com Horácio, lutando contra tudo e todos. Para afirmar o seu amor puro e despojado, ela resiste às investidas sexuais de Horácio e aos estímulos subtis de sua mãe para casar com um rapaz de Gouveia, fingindo a consumação do ato sexual com Horácio, antes do casamento. Nesses momentos, Idalina sofre duplamente: pela atitude precipitada de Horácio, que ela depreciativamente qualifica como a dos outros homens; e pela atitude violenta de sua mãe que lhe bate e a ameaça inclusivamente de expulsão de casa.

Inicia a terceira parte do romance o casamento de Idalina com Horácio. De xaile e lenço, ela corava sempre que o olhava em frente dos outros; e sempre que era olhada pelos outros ao lado dele. Idalina sentia alguma timidez, própria de quem descobre uma vida nova. Embora a primeira casa na Covilhã (quadrazita de paredes velhas e enegrecidas) não corresponda aos sonhos do jovem casal, é lá onde a vida matrimonial e doméstica germina, e onde Idalina se torna uma verdadeira mulher: “[...] dona de sua casa, como sua mãe e como as outras mulheres casadas.” (Castro, 1990: 278). Tal como as outras, Idalina cuida do homem e da casa nas várias frentes. Abdica do seu sono para despertar Horácio, de modo a que não se atrase para o trabalho. Governa com dificuldade a vida doméstica, dado o salário insuficiente de Horácio. Para ajudar nas despesas, regateia os preços com as vendedeiras do mercado e arranja trabalho como esbicadeira numa fábrica. Procópia, companheira das horas vagas, é quem lhe arranja o trabalho, e é quem cuida do seu primeiro filho.

Com efeito, Idalina assume-se como o “[...] contraponto de conformismo em relação a Horácio, mas detentora de caráter” (Alves, 2016:7). A sua firmeza transmite-se numa postura retilínea, com princípios sólidos, mesmo diante de possíveis pressões ou convenções. Ainda que lhe falte uma certa consciência social, a integridade e o virtuosismo são transversais e constantes em Idalina, revelando-se sensível e intuitivamente através da consciência feminina face ao mundo real e onírico: “[…] contemplava, sempre interrogativamente.” (Castro, 1990:281). O jeito quase filosófico manifesta uma sensatez delicada e uma rudeza enérgica. Não há limites para a sua bondade e ternura. O caso mais significativo (e contrastante com Horácio) manifesta-se no sentimento de empatia que acaba por nutrir pelo miserável Manuel da Bouça, velho emigrante falhado e frustrado (transposto do romance Emigrantes, e aparecendo aqui como prova da inexistência de políticas sociais eficazes no país ao longo de várias décadas), a quem ela solidariamente socorre. Esta atitude revela não apenas um lado maternal como também se assume como símbolo de amor pela Humanidade, lembrando Ferreira de Castro.

 

Referências

ALVEA, R. A. (2016). “A Lã e a Neve, de Ferreira de Castro: a História escreve-se no presente”, in A C@striana: Estudos sobre Ferreira de Castro e a sua Geração. Centro de Estudos Ferreira de Castro, pp. 1-8. Disponível em https://www.ceferreiradecastro.org/p1.php.

CARVALHO, A. C. L. M. de. (2016). Terra Nativa: A relação eco-humana na vida e na obra de Ferreira de Castro. Tese de doutoramento. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa. Disponível em https://run.unl.pt/handle/10362/17158

CASTRO, F. de. (1990). A Lã e a Neve. 15ª ed. Lisboa: Guimarães Editores.

SOARES, J. C. (2024). “Algumas mulheres de Ferreira de Castro”, in A C@striana: Estudos sobre Ferreira de Castro e a sua Geração, Centro de Estudos Ferreira de Castro. pp. 66-74. Disponível em https://www.ceferreiradecastro.org/p8.php.

[publicado a 26-7-2025]

Cristiana Oliveira