Personagem do romance A viagem do elefante (2008), de José Saramago, Subhro é um cornaca encarregado de tratar de um elefante chamado Salomão, numa corte portuguesa do século XVI. Baseado em factos reais, o romance reconstitui ficcionalmente a oferta de um elefante pelo rei Dom João III ao arquiduque Maximiliano de Áustria. Acompanhado por Subhro, o animal vai atravessar metade da Europa, de Lisboa até Valladolid, conduzido por uma comitiva portuguesa, e de Valladolid até Viena, acompanhando o arquiduque e sua caravana.
A personagem Subhro é levada ao conhecimento do leitor quando o rei vai ver o elefante e pergunta pelo seu tratador. A primeira descrição de Subhro se faz, portanto, através dos olhos do rei Dom João III: “Aproximava-se um homem de rasgos indianos, coberto por roupas que quase se haviam convertido em andrajos, uma mistura de peças de vestuário de origem e de fabrico nacional, mal cobertas ou mal cobrindo restos de panos exóticos vindos, com o elefante, naquele mesmo corpo, há dois anos” (Saramago, 2014: 17-18).
Essa descrição revela toda a ambivalência da personagem, que não representa nenhuma figura importante de autoridade, mas que é, ao mesmo tempo, crucial para garantir que aquela oferta entre duas famílias reais corra bem. Subhro explora tal ambivalência para fazer com que algumas das suas propostas sejam aceites, brandindo sempre o argumento do necessário bem-estar do elefante.
Quando a escolta do paquiderme passa do domínio português para o domínio austríaco, a personagem Subhro vai ser, de certa forma, redefinida. Além de ter de aprender novos códigos sociais, a personagem tem o nome mudado pelo arquiduque, como também ocorre com Salomão/Solimão (126): de Subhro, que significa “branco”, em bengali (127), ele passa a ser Fritz (128). Isso leva o cornaca a questionar sua identidade, quem ele é, qual o valor da sua pessoa, se quem o define são os outros ou ele próprio. Em uma das tantas vezes em que fala com o elefante, Subhro diz que “em verdade nenhum homem nasceu para ser cornaca, (...) no fundo sou uma espécie de parasita teu, um piolho perdido entre as cerdas do teu lombo” (205). A introspeção da personagem é acompanhada pelo narrador que, durante esta fase e até ao final do romance, chama o cornaca tanto Subhro como Fritz, sublinhando para o leitor, numa forma de resistência, que dar um novo nome não transforma uma pessoa.
O arquiduque, sua escolta, Salomão/Solimão e Subhro/Fritz chegam finalmente a Viena e são recebidos no meio de festejos populares, ocasião em que o elefante salva uma criança de ser atropelada, provocando a euforia do povo e o reconhecimento do arquiduque sobre o importante papel de Subhro naquela história: “Agradeço-te teres evitado uma tragédia, (...) Fiz o que pude, meu senhor, para isso sou o cornaca, Se toda a gente fizesse o que pode, o mundo estaria com certeza melhor” (211). O fim do livro faz rememorar a sua epígrafe, tirada de um apócrifo Livro dos itinerários: “Sempre chegamos ao sítio aonde nos esperam” (9).
O epílogo da história de Subhro e Salomão é breve: ficamos sabendo que, quase dois anos depois, o elefante morre e partes do seu corpo são reutilizadas em objetos do cotidiano. Já Subhro, devidamente recompensado pelo seu trabalho, parte para um destino desconhecido: embora tenha anunciado que regressaria a Lisboa, “não há notícia de ter entrado no país” (213).
A viagem do elefante é o penúltimo romance de Saramago publicado em vida e, como outras obras do autor, constrói-se a partir de um diálogo entre a História e a ficção. O narrador conta-nos boa parte dos eventos a partir da perspetiva da personagem Subhro, o que possibilita uma nova interpretação daquela viagem e daquele tempo. Saramago exprime esse sentimento no romance através do narrador: “Temos de reconhecer que esta lecionadora história que vimos contando não seria a mesma se outro fosse o guia do elefante” (188; ver também Hendrich, 2014: 255-256). A escolha de Subhro permite estabelecer uma série de contrastes e sublinhar, por exemplo, a organização da sociedade europeia da época, apresentada pelos olhos de um estrangeiro que não cresceu naquele meio nem domina aqueles códigos sociais, servindo a um poder monárquico e religioso que são, enfim, constantemente colocados em causa na narrativa.
O romance foi adaptado para banda desenhada por João Amaral, em 2014, e montado em espetáculo teatral de rua, em 2013, pelo Trigo Limpo ACERT.
Referências
AMARAL, João (2014). A viagem do elefante: baseado no romance de José Saramago. Porto: Porto Editora.
HENDRICH, Yvonne (2014). “‘Vale mais ser romancista, ficcionista, mentiroso’ – realidade e ficção no romance A viagem do elefante de José Saramago”, in Burghard Baltrusch (org.), O que transforma o mundo é a necessidade e não a utopia. Berlim: Frank & Timme.
SARAMAGO, José ([2008] 2014). A viagem do elefante. Porto: Porto Editora.
Victor Soares