Nascido na roça ‘Saudade’, em S. Tomé e Príncipe, e órfão de mãe aos três anos de idade, José de Almada Negreiros vem para Lisboa com o irmão mais novo. Ambos ingressam no colégio jesuítico de Campolide, onde Almada Negreiros passa dez anos. A recordação desses tempos está longe de ser agradável (“(...) gastei mais de três anos do que os necessários para os sete dos liceus. A explicação era a de ter sido inúmeras vezes apanhado em flagrante pelos professores a fazer bonecos nas aulas, às escondidas. Muita descompostura, muito tabefe, muito castigo eu tive por causa dos malditos bonecos!” Negreiros, 1997: 57) e dá já provas de um espírito irrequieto, pouco dado ao ensino escolástico e à passividade. Não admira, por isso, que troque a entrada na Escola de Belas Artes pela aprendizagem autodidata e pela experiência estética além-fronteiras (Paris, em 1919-1920 e Madrid, em 1927-1932).
Foi por ter travado conhecimento com Fernando Pessoa e com Mário de Sá-Carneiro, na Lisboa boémia dos anos 10, que Almada Negreiros tomou parte na geração de Orpheu. Por essa altura, sem uma assinatura estabilizada nem uma área artística definida, publica, em Orpheu 1, a série Frisos, exercício que imputa ainda e apenas à sua valência de “desenhador”, de que dera provas em 1913 na II Exposição dos Humoristas.
Entretanto, a verve de Almada vai dando sinais de vida. São da sua autoria dois textos incendiários, rastilhos do futurismo português: o Manifesto Anti-Dantas (1915) e o poema A Cena do ódio (1915) que deveria ter entrado em Orpheu 3.
Aquele que viria a ser um dos maiores vultos da cultura portuguesa do século XX, no domínio literário e pictórico, tem, no entanto, uma passagem relâmpago pela prosa ficcional (dez anos em cerca de 60 de carreira). A novela A Engomadeira (1915) foi publicada apenas em 1917 e o romance Nome de Guerra (1925) ficou na gaveta até 1938. Entre as suas microficções, vulgarmente fixadas como contos e novelas, lembrem-se K4 o Quadrado Azul (1917), Saltimbancos (Portugal Futurista, 1917) e O Kágado (Revista ABC, 1921) Se em K4 só se divisa uma “alma raffinée” onde pousava “uma maneira parada de se existir pra fora” (Negreiros, 1997: 361) e em Saltimbancos passa repentinamente por nós uma jovem “co seu maillot vermelho esfarrapado de rapariga vermelha co seu maillot trigueiro de olhos húmidos” (Almada Negreiros, 1997: 380), já em A Engomadeira e no romance Nome de Guerra encontramos a figuração de personagens, de que destacamos as protagonistas femininas: a própria engomadeira e Judite, respetivamente.
No seu longo trajeto de pintor-poeta tiveram lugar a escrita de poesia, de prosa doutrinária, de ensaios, de artigos de jornal e de crónicas radiofónicas. Almada Negreiros colaborou ainda com figuras como o arquiteto Pardal Monteiro ou António Ferro, num curto período em que foi contratado pelo Secretariado Nacional de Informação.
Referência
NEGREROS, Almada (1997). Obra Completa. Edição de Alexei Bueno. Rio de Janeiro: Nova Aguilar.
Personagem no Dicionário:
Judite (Nome de Guerra)