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Olga Rodom

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Autor: Filipe La Féria (adaptação)

Olga Rodom (Agustina Bessa-Luís, As Fúrias)

     Olga Rodom é a personagem nuclear do romance As Fúrias (1977), de Agustina Bessa-Luís. Numa narrativa – ainda que fractal – de gerações da família Rodom, Olga é testemunha de um processo histórico, nomeadamente a Revolução dos Cravos, sendo diretamente impactada pelas consequências do fim das guerras coloniais, quando o palacete em que vivia, a Casa da Foz, no Porto, vê-se ocupado por pessoas da classe operária, sobretudo, retornados.

     Olga Rodom, filha de Constantino Rodom e Olga Artemisa, é descrita como uma mulher bela – mesmo na velhice, quando passa a conviver com os novos ocupantes da sua casa – mas não muito culta. No entanto, destaca-se particularmente o seu modo de estar que revelaria as origens simples dos seus antepassados beirões: “As mulheres de classes mais modestas […] reconheciam em Olga uma sua igual, elevada pelo movimento da sorte. […] «A Dona» - chamavam-lhe” (Bessa-Luís, 1977: 15). A convivência com os proletários que passam a fazer parte do seu convívio operam, em Olga, “um desemburguesamento que afinal era a simples repulsa da civilização” (146), com vários sintomas explicitados no livro, por exemplo: “muito doente e imobilizada na cama, percebeu a linguagem obscena dos operários que vinham do trabalho. […] Uma alegria inexplicável brotou do seu coração; a vida era lhe trazida naquela onda de pragas, mais do que na comiseração das enfermeiras e nas provas de amor dos filhos (145). Olga Rodom, portanto, personifica um sentimento de desprezo pelos hábitos da burguesia como dissidente da própria classe, e materializa a referida repulsa da civilização, que “durante muitos anos fora a sua terra habitável; a civilização perecível pelo seu próprio espírito de moderação, pela colonização do homem, pela desagregação da fúria” (146).

     Esse reconhecimento na velhice, no entanto, será resultado de um processo cíclico. Na juventude, a personagem é apresentada como uma figura rebelde, de inexplicável “ira vingativa” (18), mesmo nos momentos de alegria, o que malfada seu primeiro casamento. É no segundo casamento com seu tio Adriano, no entanto, que a personagem parece aplacar a sua fúria, não pelo marido, mas por aquilo que ele proporciona: “Desta vez Olga foi uma esposa perfeita; […] o dinheiro em abundância operou nela o milagre de a tornar discreta. «Converteu-se» - diziam. De facto atingira a sua vocação verdadeira que era a de milionária” (29). A personagem, portanto, atesta o declínio da burguesia da qual fazia parte, com o diferencial de estranhamente deleitar-se com este processo em vez de ressenti-lo.

     Por sua vez, esse sentimento de “ira vingativa” latente na personagem é o que cria uma dinâmica transficcional com a antiguidade clássica, mais especificamente com o mito das Fúrias (ou Erínias, na denominação grega), cuja função seria castigar cruelmente os que cometem delitos. Apesar de seu número não ser determinado, habitualmente apenas três delas são nomeadas (cf. Hacquard, 1996: 120) e tal tríade pode ser identificada com Olga e suas duas filhas, Ofélia e Mimosa. Sobre Ofélia, por exemplo, lê-se: “deu-lhe uma espécie de desordem das circunvoluções cerebrais que alguns classificaram de fúria. Parecia o velho génio da mãe intelectualizado; um prazer de corromper a paz e a exemplaridade do seu belo mundo” (30).

     Nesta intertextualidade com a mitologia (e a recuperação direta de narrativas como a Eneida, de Virgílio, e As Euménides, de Ésquilo), resgata um conceito intemporal de justiça – ainda que associado à vingança – ao qual se soma a contextualização histórica que o potencializará: “Aquelas três mulheres eram duma raça audaciosa, se não violenta. A Revolução de Abril […] teve sobre elas um efeito surpreendente. De expansivas que eram, tornaram-se quase subversivas.” (70), facto que se deve pela mudança profunda dos costumes que se dá na sociedade portuguesa após a Revolução, quando poderiam gozar “duma liberdade que nunca lhes foi outorgada” (70). Numa associação mais ampla do momento histórico à mitologia, verifica-se um processo de figuração de um ideal de justiça despido de uma racionalização elaborada: “De tanto que gritam os povos «justiça!», acordam as Fúrias” (75).

     Numa outra dinâmica transficcional – a da adaptação –, o romance é levado para o teatro com encenação, cenografia e adaptação dramatúrgica de Filipe La Féria. A estreia foi a 13 de julho de 1994 no Teatro Nacional D. Maria II com Eunice Muñoz no papel de Olga Rodom.

     Referências

     BESSA-LUÍS, Agustina (1977). As Fúrias. Lisboa: Guimarães editores.

     HACQUARD, Georges (1996). Dicionário de mitologia grega e romana. Porto: Edições Asa.

[publicado a 07.06.2025]

Gabriella Campos Mendes